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De cada vez que viajo por destinos turisticamente estimulantes e regresso à Guarda é como se embatesse contra um muro de pedra rija. A começar pelo reconhecimento de uma realidade inevitável: somos pequeninos. Queremos comparar-nos a outros destinos turísticos mas estamos a muitas milhas deles e numa escala incomparável.

O que se pode dizer de início é que, sendo pequenos, não podemos funcionar sozinhos. Poucos turistas escolherão a Guarda para a visitar como destino isolado e por mais que um dia. Entre a Sé, a Torre de Menagem, as Igrejas da Misericórdia e de S. Vicente (se estiverem abertas), o Museu e um ou dois espaços de exposição, tudo se passa em pouco mais que meio-dia, no máximo um dia. Mas, se olharmos à volta e virmos as aldeias e vilas históricas, Almeida, Castelo Rodrigo, Belmonte, Sortelha, podemos encontrar as linhas dos percursos a fazer. De igual modo, se tomarmos a Guarda como ponto de partida para o conhecimento da Serra da Estrela, variando pela Covilhã e Seia, ou para a zona Ciudad Rodrigo/Salamanca, os percursos podem resultar conseguidos. Atrair para a Guarda como lugar de ancoragem, sim, mas acenar com outras joias nas vizinhanças será melhor.

A Guarda na realidade atrai pouco: comércio sem pujança, uma Praça Velha arrepiante, um centro histórico em ruínas e sem atrativos de maior, casas a cair ou espaços degradados mesmo no centro (os terrenos junto ao Vivaci por exemplo ou o antigo Cineteatro ou ainda a famosa vivenda frente à EDP). Um jardim arcaico, um parque municipal sem ocupação. Mau demais. Como hão de os turistas vir para cá?

Bordéus, que visitei recentemente, é uma cidade média mas da ordem das 250 mil pessoas, cinco vezes mais que a Guarda. É património mundial da UNESCO, tendo milhares de fachadas de casas setecentistas e oitocentistas classificadas, para além de quatro catedrais muito atraentes e significativas apesar de nelas se detetarem também as sucessivas camadas de reconstrução, época após época: Sainte Croix, Saint André, Saint Seurin, Saint Michel. A Catedral de Saint André na Revolução Francesa transformou-se em depósito de forragens para gado mas recuperou. Bordéus tem também um rio (Garonne), que lhe dá graça nas margens e pontes e provoca movimento comercial e de lazer. Depois, um Jardin Public, com grandes relvados e lagos, incluindo também um Jardim Botânico. Finalmente praças que merecem esse nome.

Salvaguardadas as dimensões, há no entanto aspetos que é possível transpor para a Guarda. Uma ideia que acho às vezes esquisita é a da intocabilidade dos espaços nobres. Eu sei que estamos escaldados com intervenções como a da Praça Velha mas que há coisas a fazer nesta Praça, no Jardim José de Lemos e outros, disso nem quero duvidar. Vou dar um exemplo em Bordéus. Na Place du Palais de la Bourse, o motivo de atração da Praça, para além da harmonia do espaço conseguido pelas fachadas magníficas, é uma estrutura criada recentemente (2006): um “espelho de água”. Frente ao rio e paralelo à praça, construiu-se uma superfície em mosaico que regularmente é irrigada por água, primeiro em vapor, depois cobrindo toda a superfície para refletir a praça. E consegue-se assim um efeito dinâmico e atrativo (alternando um efeito de espelho e um efeito de nevoeiro que sobe até um metro). Uma outra realidade dentro das basílicas era a animação delas: o aproveitamento das capelas laterais para exposições sobre temas ligados às igrejas ou às respetivas paróquias; e em agosto a quinzena do órgão com concertos magníficos.

Na Guarda é pois possível (necessário) intervir nos espaços grandes (Praça Velha, Jardim e Parque); é preciso ter a coragem de verificar que certos espaços não servem para nada e é urgente desenhá-los ou utilizá-los de outra forma (por exemplo, para que servem os jardins frente à polícia e ao lado da EDP, podem-me dizer?); um espaço educativo do tipo Jardim Botânico poderia ser introduzido num destes espaços ou no Polis ou no Parque da Cidade (eu sei que há a Quinta da Maúnça mas é muito longe do centro e não tem essa dimensão); é preciso que haja mais oferta ao nível das exposições, embora se reconheça a debilidade de entidades extra-Câmara para as elaborar ou organizar; é preciso atacar o problema das ruínas no centro; a dinamização de visitas regulares à cidade ou à Sé é fácil de montar (haja vontade); as igrejas da Misericórdia e S. Vicente deviam tornar-se mais abertas ao turista; no verão um comboiinho turístico com textos gravados daria uma ideia geral da cidade; animação nos fins de semana do verão com grupos da cidade seria fácil; o Polis ganharia aliando o lazer a uma vertente de conhecimento.

Concluindo, poder-se-ia dizer que a Guarda é um (pequeno) diamante que só falta esculpir (ou encher). Tem, no entanto, de haver lugar para intervir e transformar a cidade (sim, transformar), apesar de todas as derrotas dos projetos sobre o centro histórico, apesar de todas as orelhas moucas sobre a degradação dos edifícios, apesar da crise do comércio, apesar da falta de dinheiro. Para acabar, fica a simples observação de que Bordéus destruiu uma boa parte da herança monumental anterior aos sécs. XVIII e XIX. E, no entanto, hoje é Património Mundial da UNESCO.

Por: Joaquim Igreja

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