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Transumância

O Tribunal Constitucional acaba de legitimar a transumância dos dinossauros autárquicos. Os argumentos a contrário eram fortes: a letra da lei, que se reportava claramente às funções, o seu espírito, de impedir a eternização das mesmas caras no poder e de promover alguma renovação na classe política. Não esqueçamos, neste último aspecto, que foi esta classe política que desperdiçou as oportunidades dadas pela democracia e pela entrada na União Europeia/CEE e nos levou onde estamos, falidos e sem soberania. Eram assim justos os pressupostos e continua a ser urgente que as caras comecem a mudar na nossa vida pública.

Um dos argumentos do Tribunal Constitucional, de resto adiantado e previsto pelos especialistas, é que entre dois direitos fundamentais, o da renovação da titularidade dos cargos públicos e o de eleger e ser eleito, não há que optar decisivamente por um deles. Seja. Mas não confundamos duas realidades bem distintas e não misturemos o direito de eleger com o de ser eleito. Este último direito, ser eleito, na realidade não existe só por si e não se deveria definir assim, sendo um mero corolário do primeiro, de eleger. Quanto muito há o direito de qualquer um se poder candidatar, como deveria haver, ou reforçar-se, o direito do eleitor em começar a ver caras novas. Mas este, não sendo levado muito a sério no cargo máximo da nação, de presidente da república, não se entende que tenha de ser tão protegido em cargos menores.

Na antiga democracia ateniense a rotatividade das funções era levada a sério, ao ponto de ser muito provável que todos os cidadãos de Atenas viessem mais tarde ou mais cedo a ser escolhidos para um cargo público. Não havendo rotatividade, sendo sempre os mesmos, vamos ter agora e para sempre as mesmas caras a fazer as mesmas asneiras, mesmo que em sítios diferentes.

Teremos ainda outra coisa, mais grave. Vai haver presidentes de junta e de câmara que muito pouco terão a ver com os seus eleitores e com a região que deverão administrar. Vieram de outro lado e não conhecem as empresas, as instituições, os clubes de bairro, os buracos na estrada, os baldios infestados de mato, os subúrbios problemáticos, as forças vivas e tudo aquilo que compõe uma cidade ou uma região. Estão ali apenas porque um determinado grupo decidiu não ter entre si alguém com capacidade para ser presidente de câmara ou de junta e preferiu ir lá fora contratar um profissional.

Por: António Ferreira

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