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«Trancoso é o segundo polo de desenvolvimento do distrito da Guarda»

Júlio Sarmento, presidente da Câmara de Trancoso

P – Esta é a sua última Feira de São Bartolomeu enquanto presidente da Câmara de Trancoso. Qual é o sentimento quando visita o recinto?

R – Não tenho nenhum sentimento em particular, pois sempre considerei que os políticos têm contrato a termo certo que resulta da eleição. A cada quatro anos fechava-se um ciclo, eu estou a encerrar o sétimo consecutivo e desde o início deste mandato que sabia que era o último. Saio com uma tranquilidade muito grande do ponto de vista do resultado e de tudo o que se conseguiu. Saio sem qualquer amargura e com uma idade que me permite sonhar em fazer coisas novas e para as quais estou muito motivado. Não fico a olhar para trás.

P – De todas as obras destes mandatos, qual foi a mais marcante?

R – Foi a construção da barragem da Teja e a regularização do abastecimento de água no concelho. Quando cheguei à Câmara, no Verão havia apenas uma hora de água por dia, o que era uma situação aflitiva e que muito me marcou. Fomos o único concelho da região que apostou na construção de uma barragem para abastecimento, tendo sido pioneiro nesta área. Foi um ato de grande visão porque percebemos que só dessa forma poderíamos ter água em abundância e antecipámos o futuro através da concessão do sistema. Hoje, a barragem da Teja armazena nove milhões de metros cúbicos por ano e ainda desperdiça outro tanto, o que dá para abastecer quatro vezes o concelho. Fizemos a adução a todo o município, investimos na qualidade da água e concessionámos o sistema de água e saneamento a privados, o que muito beneficia a Câmara. E não ficámos na aflição dos municípios que estão “pendurados” nos sistemas multimunicipais.

O Pavilhão Multiusos é outro projeto importante, foram precisos dois quadros comunitários para acabar uma obra de cinco milhões de euros. Assim como o conjunto das obras de Gonçalo Byrne no âmbito da reabilitação do centro histórico, onde, hoje, se pode fazer os percursos do Trancoso histórico e do Trancoso da modernidade. Destaco também a reabilitação do largo da feira de São Bartolomeu, que estava praticamente morta quando cheguei à Câmara e conseguimos dinamizar e reganhar como grande iniciativa, assim como o mercado semanal. Do ponto de vista comercial, dos serviços e do turismo, Trancoso é hoje um polo de desenvolvimento a norte do distrito da Guarda. Passou a ser o mais populoso desta zona nos últimos Censos por troca com Pinhel, tivemos o segundo melhor resultado demográfico do distrito, portanto as políticas seguidas têm dado resultado. Claro que ainda perdemos gente, tal como o país e todo o interior, mas conseguimos estancar essa perda. Temos ainda um bom indicador em termos da taxa de desemprego, com 4,5 por cento, que é a mais baixa do distrito, e das mais baixas em termos nacionais. Isto porque toda a nossa estrutura económica se baseou nas pequenas e médias empresas, que resistem muito melhor – a única empresa que teve dificuldades e acabou por sucumbir era de alguma dimensão [a Chupas & Morrão]. Depois, Trancoso continua a ser um concelho liderante, já que, ao contrário de outros, o nosso centro de saúde funciona 24 horas por dia, o tribunal mantém-se e a comarca poderá ser reforçada.

P – A que se deve essa liderança e o facto dos serviços fecharem nos concelhos vizinhos e não em Trancoso. Deve-se ao presidente da Câmara ou à sociedade civil?

R – Deve-se a todos, mas também à influência política que temos vindo a conseguir. Quando foi preciso, fizemos manifestações contra o fim da paragem dos comboios em Vila Franca das Naves – eu próprio ocupei a linha de caminho-de-ferro – e o fecho do SAP durante a noite. Temos tido em Trancoso uma voz forte, quer pela forma como todos, maioria e oposição, temos defendido o interesse público, quer fruto da influência política – o facto de ser presidente da distrital do PSD dá-me hoje uma proximidade ao poder muito grande –, a verdade é que as coisas têm funcionado. Repare que nesta campanha para as autárquicas não há aqui slogans a dizer que é preciso mudar, mas sim que se acredita no futuro. Mesmo a oposição acredita no rumo que as coisas têm tomado.

P – A abertura do IP2 foi outro momento marcante destes mandatos. Pode falar-se de um Trancoso antes e depois do IP2?

R – Penso que sim. Quando, no Governo de Durão Barroso, se quis – era José Gomes diretor de estradas – lançar o IP2 só com perfil de itinerário principal, sem duplicação de vias, nós não quisemos e lutámos sempre para que houvesse duas faixas. Quando os técnicos vieram ao terreno percebeu-se que havia aqui uma dinâmica e que o trânsito que vinha por Trancoso para o Douro era superior ao que ia para Vila Nova de Foz Côa, portanto houve razões de facto. Mas lutámos muito para que o projeto fosse feito e desta maneira, além disso também tivemos a sorte de uma conjuntura em que o tempo era de fazer obra e obra. Hoje, Trancoso está ligado por auto-estrada até Lisboa, Porto e Madrid e isso é uma mais-valia para o nosso desenvolvimento.

P – E há resultados concretos dessa ligação em termos empresariais?

R – A nossa atratividade foi reforçada e mesmo num contexto de crise temos alguns negócios em crescimento. Fruto da capacidade e do marketing da empresa, a Casa da Prisca está hoje nos melhores mercados e tem criado postos de trabalho. A Lactovil tem vendido muito bem para os Estados Unidos e para os países de Leste. O Hotel Turismo também aumentou os seus resultados e o fluxo turístico tem crescido, estes são alguns exemplos, mas há mais. Este troço do IP2 não foi portajado, nem o será seguramente. Claro que, às vezes, a oposição tem dito que falta fazer isto ou aquilo, mas a política já não é só cortar a relva ou tapar buracos. Hoje, gerir uma Câmara é ter uma estratégia clara, lutar por ela e ser capaz de abrir as portas necessárias para a por em prática. Há muita coisa a fazer nos próximos quatro anos, como requalificar a estrada Trancoso-nó do IP2, uma obra que depende da Estradas de Portugal e para a conseguirmos tem que haver força política. É preciso ter as melhores opções para aproveitar da melhor forma os novos fundos comunitários, que vão privilegiar muito o emprego e a competitividade. Há coisas preparadas para o futuro e se houver bom senso na próxima Câmara Municipal é fácil manter o rumo e criar os consensos necessários para que as coisas se concretizem.

P – Os projetos que referiu são aqueles que gostaria que o seu sucessor concretizasse?

R – Sem dúvida. As pessoas, do PS ou do PSD, podem vir com ideias novas, mas a minha estratégia, o meu pensamento, é que o desenvolvimento de Trancoso passa pelo comércio, os serviços e o turismo. Este rumo está, de resto, fixado no estudo de uma empresa de planeamento.

P – A propósito das críticas da oposição, nos últimos tempos tem-se insistido que a Câmara está demasiado endividada. Qual é a situação que deixa ao seu sucessor em termos financeiros?

R – Os interessados nesse assunto podem consultar o Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses ou a notícia de O INTERIOR sobre o endividamento das Câmaras da região. Os dados também estão disponíveis na Direção-Geral das Autarquias Locais (DGAL) e podem ver que a Câmara de Trancoso está numa posição tranquila, na parte de baixo da tabela. Mesmo do ponto de vista do endividamento per capita há concelhos que, surpreendentemente, estão muito mais endividados do que Trancoso. O endividamento do município está controlado, está todo do lado do médio e longo prazo, não pesa nos nossos orçamentos. De resto, devo dizer que com a concretização de dois novos parques eólicos com 40 torres, a Câmara vai obter cerca de 2,5 milhões de euros de receitas, o que dará para fazer face à dívida. Contudo, a lei dos compromissos e a nova lei das finanças locais exigem dos autarcas muita preparação técnica, jurídica e bom senso. Considero mesmo que o próximo mandato seria dos mais difíceis de sempre se me pudesse recandidatar e fosse eleito.

P – Já falámos das obras que gostaria de ver concretizadas no próximo mandato. Quais foram os projetos que não conseguiu realizar e que contava ter feito antes de deixar a Câmara, nomeadamente o centro de interpretação da Batalha de Trancoso?

R – Ainda há realmente muitas obras que era necessário fazer, essa é uma delas. Já teve várias versões, chegámos a pensar num equipamento próprio, e a última consiste em incorporar o projeto no Palácio Ducal. Tal como está pensado, este palacete vai contar a história de Trancoso e uma delas será a da batalha de S. Marcos através do centro interpretativo. Já a recuperação do antigo posto da GNR para museu tem dotação no quadro da Rede de Judiarias, enquanto o mercado municipal, que já recuperei num dos meus primeiros mandatos, precisa de uma nova filosofia. Outra obra que gostaria de ter feito era beneficiação da estrada entre a cidade e o IP2 e outras duas ou três vias, designadamente a ligação ao concelho de Pinhel através de Vila Garcia. Estes projetos não se concretizaram por falta de dinheiro e também porque, desde há três anos, que fomos confrontados com uma nova realidade, a de que temos que ter primeiro as condições financeiras para fazer obra. Isso veio ao arrepio de tudo aquilo que se fazia nos municípios e no país.

P – Além dessas obras, houve outras que pensou e não conseguiu concretizar?

R – Estas eram as mais estratégicas para Trancoso e são aquelas pelas quais teremos que lutar. Se o PSD ganhar as eleições, naturalmente que terei mais condições para ajudar a abrir as portas de quem decide – costumo dizer que tenho uma “chave-mestra” que abre as portas todas e que poria ao serviço do concelho de Trancoso. Se as opções forem outras, carece de legitimidade qualquer intervenção da minha parte e terão que ser os novos protagonistas autárquicos a fazer esse trabalho.

P – Ao fim de sete mandatos, pode-se falar num Trancoso antes e depois de Júlio Sarmento?

R – Sem dúvida. A minha vinda para a Câmara coincidiu com a abertura dos quadros comunitários de apoio aos municípios, o que multiplicou a capacidade financeira e de obra da autarquia. Não houve demérito de quem me antecedeu, que fez um trabalho notável, pois não tinha nem contou com os instrumentos financeiros que tivemos.

P – E no contexto regional, como deixa Trancoso?

R – Trancoso é hoje o segundo polo de desenvolvimento do distrito a seguir à Guarda. Somos um concelho mais pequeno que Seia e Gouveia, mas temos protagonismo, capacidades e somos referência no contexto distrital do ponto de vista do património, da reabilitação urbana, do turismo, das feiras, dos mercados, da vida empresarial e da capacidade política de influenciar.

P – Portanto, Trancoso estará numa boa posição para se impor na eventualidade de haver fusões de municípios nos próximos tempos?

R – Há muitos anos que digo nas Assembleias Municipais que Trancoso é um concelho potencialmente agregador e os trancosenses não podem perder isso de vista. Temos que continuar a ser politicamente muito fortes para sermos, porventura daqui a cinco anos, um um polo mais vasto no contexto distrital. E isso vai acontecer mais depressa do que pensamos e temos que estar preparados para isso.

P – Tem sido recorrente nos últimos meses falar-se da cobrança de portagens noutras estradas. O IP2 até Trancoso poderá ser uma delas?

R – Tenho a garantia de que esse cenário está afastado nos tempos mais próximos. De resto, iremos assistir a uma descida do preço das portagens porque é uma luta justa.

P – O que gostaria que acontecesse a Trancoso nos próximos quatro anos com o seu sucessor?

R – Se conseguir um diálogo político interpartidário, se mantiver os consensos, se a nova gestão municipal for pautada pelo bom senso e pela capacidade de fazer esses consensos, acredito que Trancoso vai continuar este rumo. Como cidadão ativo e com interesses no concelho, nomeadamente empresariais, estou interessado em ter um papel construtivo para que o município continue a progredir. Não sei bem qual será o meu futuro, poderei ter eventualmente uma vida profissional fora de Trancoso, mas continuarei um cidadão atento e construtivo. Vou andar por aí, mas nunca mais serei candidato à Câmara, isso é ponto assente. Fecho um ciclo do qual as únicas saudades que tenho são os amigos e os funcionários da autarquia, não propriamente da função. Nunca mais voltarei a concorrer mesmo que houvesse um cataclismo.

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