Reza a história que não há um ano em Aldeia Viçosa, freguesia do concelho da Guarda, sem “Magusto da Velha”. Por isso, no passado domingo, cumpriu-se a tradição. A tarde gélida não afastou as centenas de pessoas que não quiseram perder a festa e se juntaram no adro da igreja à espera que as castanhas caíssem do alto da torre sineira. Um ritual que se anualmente a 26 de Dezembro.
Contudo, este ano, para além da festa em honra da “Velha”, foram também homenageadas as personalidades da terra que mais se distinguiram a nível distrital e nacional. Pessoas que «muito tem feito pela freguesia», frisou Baltazar Lopes, presidente da Junta de Freguesia, que entregou a medalha de mérito a José Luís de Almeida, gerente da empresa Joalto, porque «tem ajudado e contribuído para a freguesia». David Gomes, director do Centro de Formação Agrária da Guarda, na Quinta da Relvas, foi outro dos galardoados, pois «também tem dado o seu contributo através do centro que dirige nesta freguesia», referiu Baltazar Lopes. Por último, Maria do Carmo Borges, presidente da Câmara da Guarda, foi galardoada por ter sido «até hoje a melhor presidente da autarquia que Aldeia Viçosa já teve e muito tem feito por esta localidade», garantiu o presidente da Junta. José Luís de Almeida ficou «naturalmente satisfeito» com a distinção da freguesia que viu nascer o seu pai, no entanto, considera não fazer «muito sentido» ser ele o homenageado. Apesar de já só vir esporadicamente à aldeia do vale do Mondego, o gerente da Joalto diz notar-se que Aldeia Viçosa é «uma aldeia viva e dinâmica e isso é que deve ser homenageado».
Já David Gomes foi apanhado de surpresa. Não sendo natural da freguesia, já se sente como um filho da terra, pois é onde exerce a profissão há dez anos e onde vão crescer os filhos. «Houve várias evoluções, que reflectem o dinamismo da freguesia», destaca o responsável. Por sua vez, Maria do Carmo Borges ficou bastante emocionada pela homenageada: «Como estou mais habituada a homenagear, a sensação foi estranha», confessou, admitindo que o momento «enternece-me» e sugere-lhe mais um F aos cinco F‘s da Guarda, «o da Felicidade». No final da cerimónia, Baltazar Lopes prometeu que a tradição vai perdurar por «muitos anos» naquela localidade e aproveitou para criticar a ausência de alguns convidados, nomeadamente do Governador Civil da Guarda e da oposição social-democrata na autarquia guardense.
O “Magusto da Velha”
A tradição remonta a 1698 e está ligada a uma obrigação contraída pela Igreja de Vila do Porco, como se chamava então Aldeia Viçosa. Segundo a história, viviam-se tempos de fome quando uma velha abastada terá feito uma doação para que o povo pudesse, um dia no ano, beber vinho e comer castanhas. Em contrapartida, o clero comprometeu-se a rezar em sua memória um Padre Nosso todos os anos depois do Natal. A vontade foi satisfeita e a tradição perpetuou-se durante séculos, não havendo geração que não cumprisse este magusto, embora não seja seguido à risca, uma vez que a “Velha” pedia que se realizasse no dia 1 de Janeiro. No entanto, há mais de um século que esta data é trocada para 26 de Dezembro. No dia os sinos repicam insistentemente e anunciam que a folia vai começar. Junto ao madeiro de Natal, que ainda arde, novos e velhos aguardam que do cimo do campanário da igreja “chovam” os 150 quilos de castanhas. O vinho, esse, está guardado religiosamente para depois ser distribuído por todos. Está tudo pronto. Alguém exclama: «Cuidado com a cabeça vai chover castanha!». E o frenesim começa. Quilos e quilos de castanhas são lançados para o adro, que mais parece o cenário de uma batalha campal, onde só um adversário é que está armado. O jogo do empurra começa para ver quem apanha mais e quem foge melhor à chuva de castanhas. As risadas soltam-se também por causa das “cavaladas”, vulgo saltar para as costas de quem se baixa para apanhar castanhas. Assim que a castanha acaba, aparecem os litros de vinho tinto. Primeiro para os mais velhos e depois para as senhoras. É hora de provar a pinga e confraternizar, mas também de rever muitos velhos amigos, pois ninguém falta à festa.
Patrícia Correia
