Arquivo

Trabalhadores da Gartêxtil receiam ser «sacrificados»

Liquidatário judicial visitou instalações da fábrica da Guarda-Gare na última sexta-feira

Desânimo, cansaço e sobretudo descrença são os sentimentos comuns à grande maioria dos antigos trabalhadores da Gartêxtil, cuja insolvência foi recentemente decretada pelo Tribunal da Guarda. Passados três anos, há cerca de 170 funcionários, dos 190 existentes na altura do fecho, em Maio de 2002, que não abdicaram dos seus direitos e quiseram levar o caso até às últimas consequências. Mas hoje ninguém tem grandes expectativas de vir a receber a indemnização a que tem direito.

«É uma vida perdida», lamenta Isabel Maria, 43 anos, empregada do escritório durante 16 anos, que já não está a contar «com nada dali». E bem precisa. Actualmente no desemprego, estes últimos tempos têm sido um autêntico calvário: «Fiz formações e fui a algumas entrevistas, só que nunca me chamaram para nada. A idade também não ajuda, porque os patrões querem gente à procura do primeiro emprego para terem apoios», diz, desanimada. O subsídio de desemprego termina em Junho e a sua última esperança vira-se agora para o Fundo de Garantia Salarial (FGS), de onde espera receber algum dinheiro. «Será talvez o único que vamos receber», desconfia, pois receia que a empresa tenha muitas dívidas e «pouca coisa» para vender.

«Só a Caixa Geral de Depósitos vai levar a maior fatia do bolo», estima Isabel Maria, cujo «grande medo» é ver o tribunal dar prioridade ao banco por causa da hipoteca do terreno onde a fábrica de confecção está instalada. «Se isso acontecer o que será feito de nós? Foram muitos anos de trabalho na Gartêxtil, não nos podem deixar sem nada», defende-se. Mas Isabel Maria quer mais, saber nomeadamente para onde foram os 1,8 milhões de euros atribuídos pelo IAPMEI. «O Governo de Guterres deu o dinheiro, o do PSD não quis saber do assunto, o actual devia averiguar o que aconteceu porque a empresa não foi recuperada, mas sim encerrada», acusa.

Graciete Terras, costureira especializada durante 15 anos, também não dúvida que os trabalhadores vão ser os «principais sacrificados» no processo de falência. Radical, diz que «muitos empresários vão aparecer agora que a falência foi decretada». Com três filhos a seu cargo, dois dos quais menores, e só com o ordenado do marido, camionista, «a vida tem sido muito complicada», garante, sublinhando que o pior é não conseguir arranjar trabalho. «Como não há novas empresas, e as que existem estão lotadas, é muito difícil trabalhar na região», adianta.

Graciete Terras frequentou programas de actividade ocupacional no Centro de Emprego da Guarda e já esteve como auxiliar de educação numa escola da cidade, só que ao fim de nove meses o contrato terminou e teve que voltar para casa. «Também é assim com os meus colegas. Acabam os nove meses e somos despedidos», indica.

Crise instalada em Seia

A crise do sector têxtil do distrito da Guarda continua, agora com mais incidência no concelho de Seia. Segundo dados do Sindicato Têxtil da Beira Alta (STBA), só nos primeiros três meses deste ano encerraram quatro empresas, deixando no desemprego perto de 200 trabalhadores. Foram elas a Alvalã (Vila Cova à Coelheira), a Jamobril e Moura Cabral (ambas de Loriga) e a Vodrages (Vodra), encerrada desde 13 de Janeiro, e cuja primeira assembleia de credores vai reunir a 6 de Maio no Tribunal de Seia. O curioso desta situação é que todas elas foram objecto de reestruturação através do sistema de incentivos à revitalização e modernização empresarial (SIRME), do IAPMEI. No caso da Gartêxtil, Carlos João, dirigente do STBA, considera terem-se perdido «boas oportunidades» de recuperação da empresa em 2003: «Havia interessados, mas a CGD nunca esteve interessada em viabilizá-la. Agora é muito mais difícil, senão mesmo impossível», receia, lamentando a «falta de vontade» do Ministério Público em investigar o que se passou na fábrica da Guarda-Gare.

Luis Martins

Sobre o autor

Leave a Reply