As histórias de enfermaria sempre me fascinam e por essa razão escrevo sobre pessoas, ou invento outras, conforme as vidas me sobressaltam. O Toni é oligofrénico e tem idade de homem. Não seria capaz de se bastar só, não sobreviveria a dois meses de solidão. Fala bem, tem memória para muitas coisas que acha graça. Adorou os meus óculos azuis e pergunta incessantemente por eles quando não os trago. Diverte-se da minha careca. Brinca com tudo o que o rodeia e faz birras como as crianças. Ontem decidiu que não andava. Outro dia queria a enfermeira loira ou não fazia pensos. Toni é doce, apaixonado pela mãe e pelas alegrias que encontra em cada coisa que vê. Não imagino o que vê. Não tenho a veleidade de supor que consigo perceber o modo como se relaciona com o mundo. O que sei é que dou graças a Deus dos meus filhos saudáveis e move-me uma simpatia imensa por aquela mãe sempre a ajudar o pessoal. O Toni adoeceu e precisou ser operado. Não deve ter entendido aquele corte enorme com que acordou na enfermaria. Não percebe porque tem tubos agarrados ao corpo. Não protesta de nada, mas agora o seu olhar está assustado. A mãe sempre perto ajuda a que o inferno não tenha chamas nem demos. Pergunta se vamos picar, ou cortar. Pensamos que não tem dores e por isso mantém o seu humor. Tenho visto a mãe dedicada, vergada a uma vida para um filho, submetida a uma tarefa sem horas, sem limites, sem feriados, sem dias santos. São 24 sobre 24 horas de uma violência brutal, sem vaidades, sem carícias, sem pena. A sua vida é a do Toni. A sua identidade confunde-se com o António desde que saiu do ventre da mãe. Ohmãe! Ahmen! Ámen! a mãe! Vergo-me da incapacidade que temos em ajudar esta mulher. Percebo como estamos limitados e atrasados na tarefa de entender as doenças e tratar delas. Mas somos ilimitados de amor e de dedicação como esta mãe. Comove-me e inquieta-me aquela pieta: a mãe com o Toni indefeso nos braços. É a obra maior de Miguel Ângelo na nossa enfermaria, viva, marcando-nos a Páscoa. De onde vem a força com que aguenta este destino que lhe roubou outros desejos?
Por: Diogo Cabrita