Gostava de viver na Avenida Maria de Lurdes Mendonça. Entenda-se: não está nos meus planos mudar de rua nem de cidade; quero é manifestar publicamente a exigência cívica para que a minha rua mude de nome. Actualmente chama-se Rua das Covas mas ainda não tem placas e é por isso que eu, quando instado por correspondentes e autoridades, dou a minha direcção no lote tal da Urbanização Quinta das Covas ou, simplesmente, na Quinta das Covas, número tal. Como vêem, faz toda a diferença. E sim – soa muito mais fino. Rua das Covas é que é de um mau gosto abrangente: vai do obsceno ao lúgubre.
Maria de Lurdes Mendonça (ou Menina Lurdinhas, como a recordam mesmo os da minha geração) merece ser perpetuada numa rua que atravessa terrenos outrora familiares, que tem largura e extensão para se chamar avenida e, facto ainda mais simbólico tratando-se de quem se tratou, que conduz a uma escola. Duvido de que algum dos moradores da minha rua – e de tantas – não guarde tal mulher de inigualável grandeza e generosidade na memória dos afectos e da gratidão. Ela foi amiga, educadora, confidente, promotora, dinamizadora e filantropa de todas as iniciativas individuais ou comunitárias que lhe parecessem visar o bem público – e parecia-lhe sempre que tudo se fazia por bem. Descendente de uma família abastada, despojou-se com humanidade sem ter pedido nada em troca. O mínimo que se exige – a minha Freguesia de São Miguel bem sabe quanto lhe deve mas pelos vistos é ingrata – é que se lhe ofereça este gesto emblemático, com o paliativo de consciência de se ter como certo que ela, em vida, jamais aceitaria homenagens.
Já me responderam, mais do que uma vez, que Maria de Lurdes Mendonça tem, «obviamente», uma rua com o seu nome. Tem? Onde? Na pesquisa no cadastro postal descobri quatro Marias: das Dores Sampaio; da Fonte; José Lucas; e Luísa Godinho. Lurdes que tenha merecido nome de arruamento, nem uma. Lourdes (por via de desambiguação) também não. Lurdinhas muito menos. A não ser que os próprios Correios estejam enganados, o «obviamente» reforça o sentido de um pressuposto comum: é claro que Maria de Lurdes Mendonça devia ter nome de rua ou avenida – mas estranhamente não parece tê-lo. A menos que lhe tenham atribuído uma quelha, travessa ou paralela indigna e desconhecida. Peço antecipada absolvição se estiver errado; reforço afincadamente a sugestão se estiver certo. Mas este, mesmo assim, é só um caso.
O que sobra na toponímia urbana é a Rua das Flores (há quatro na Guarda), com as variantes das Camélias, dos Amores, das Rosas, do Jasmim, dos Lírios, do Rosmaninho (e do Rosmaninhal também) ou das Maias. Esta é deveras curiosa, pois sendo a maia a flor da giesta e existindo também a Rua do Giestal não compreendo como é que os mentores não completaram o ciclo com, por exemplo, uma Rua do Carrapato. Mas existem duas Rua Formosa, o que é de uma gritante injustiça (não vem para o caso se são demais ou de menos). Há uma Rua da Bela Vista e uma Rua Mira Serra. E há também uma Rua do Vale do Além, uma Rua do Calvário e uma Rua do Repouso. E duas Rua Senhora de Fátima, uma Rua Senhora da Graça, uma Rua Senhora do Mileu e duas Rua Senhora dos Remédios – seis arruamentos que podiam ser combinados numa única Alameda à Mãe de Cristo que servisse todas as devoções. Há a Rua dos Lameiros, a Rua das Hortas, a Rua da Eira (e a da Eirinha), a Rua das Macieiras, a Rua das Colmeias, a Rua do Chafariz, a Rua do Cruzeiro e a Rua do Ribeiro. O que não há, pelos vistos, é imaginação.
Qualquer de nós pode elencar um conjunto de cidadãos dignos de reconhecimento – falecidos ou ainda vivos, pois o carácter póstumo não é inevitável –, bem como datas, memórias e referências colectivas que valham um topónimo. Será assim uma tão douta, erudita, exclusiva e problemática tarefa?
Criar condições para os vindouros é um desígnio urgente. Considerar os vivos e homenagear os idos são actos de elevação que fazem igualmente a diferença na vivência de uma comunidade.
Porque isto também é cuidar da auto-estima. Pode não parecer – mas é. Tudo conta.
Por: Rui Isidro