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Todos dizem que te amo

Opinião

816 anos de história são sinal inequívoco de uma cidade estoica e resiliente, assente num povo secular de origens Lusitanas que há muito deu provas do seu génio inventivo e do seu espírito industrioso.

Amamos hoje a Guarda, que nos foi berço, pela sua expressão viva e humana, garante de uma vida serena e comunitária. A índole fraterna das gentes da nossa cidade, contudo, não assegura por si só a prosperidade do nosso futuro. Nesta data de celebração importa assim analisar o passado e reconhecer com frontalidade os erros cometidos. Só através deste processo poderemos aspirar à solução decisiva dos problemas que neste momento enfrentamos.

A grandeza do nosso município, plasmada na sua histórica longevidade, contrasta de forma pungente com a deterioração económica e social que se veio a abater sobre a cidade durante a última década.

Evidência incontestável deste período de reduzido fulgor é o inelutável êxodo da juventude guardense, que ama a nossa cidade e apesar disso se esvai de forma constante e em força na direção dos grandes centros urbanos da Europa.

As causas deste deperecimento têm cariz estrutural/nacional e, embora realçadas por constrangimentos de natureza conjuntural, podem ser sobretudo assacadas a uma estrutura fiscal, legal e laboral que em nada contribui para o florescimento da atividade privada. Culturalmente, a vilipendiação do empreendedor tem resultado numa sociedade que envileceu a iniciativa privada e por isso se tornou inerte.

A Guarda aparenta hoje estar excessivamente ancorada no sector público, só em proveito deste se governando. Atividades agrícolas e industriais, a verdadeira pedra basilar de uma economia criadora de riqueza, parecem relegadas para segundo plano.

A alteração deste paradigma não ocorrerá espontaneamente. Deve precedê-la um trabalho exaustivo de planeamento que defina estratégias viáveis de crescimento, numa antítese declarada a abordagens baseadas na imitação cega da fórmula de sucesso de outros municípios.

Neste âmbito, é importante aplicar os recursos públicos de forma criteriosa e consequente, evitando despesas de natureza efémera e improdutiva. Para este fim, a Guarda deveria focar-se primordialmente na identificação das suas vantagens competitivas. Cidades americanas como Atlanta ou Nashville percorreram já este trajeto com sucesso, tendo sido capazes de atrair diversos “players” da indústria automóvel devido a um trabalho de captação de investimento esteado na autoconsciência das suas competências diferenciadoras: força de trabalho qualificada, proximidade a centros de inovação e formação superior, boa rede de transportes e custos de mão-de-obra reduzidos. Neste âmbito, e sem qualquer estudo que o comprove, parece evidente que a centralidade geográfica da Guarda se poderia constituir como um ativo valioso para empresas de transporte e logística.

Na sequência desta análise, o investimento público deveria ser direcionado especificamente para o desenvolvimento de um grupo restrito de clusters económicos que façam uso das vantagens competitivas identificadas e garantam, por isso, maior viabilidade. Este direcionamento da despesa pública garantiria o uso eficiente dos recursos escassos, reduzindo o desperdício inerente a medidas económicas de largo espectro que não raras vezes financiam iniciativas de sustentabilidade duvidosa.

O propósito das estruturas municipais deveria também ser revisitado e direcionado para o serviço ao cliente. Cabe à Guarda atrair empresas e organizações pertencentes aos clusters alvo (i) promovendo o diálogo regular com os agentes das respetivas indústrias, (ii) fomentando as ligações entre negócios, investidores e talento e (iii) organizando “road shows” destinados à disseminação da proposta de valor do município junto de públicos relevantes.

A cidade colombiana de Bogotá, por exemplo, dispõe de uma agência de promoção que disponibiliza serviços gratuitos de suporte ao investimento, incluindo visitas de “fact-finding” à cidade, suporte administrativo ao cumprimento de requisitos regulamentares (e.g., obtenção de licenças) e programas customizados de formação da força de trabalho.

Da implementação do processo acima descrito (ou de outro de maior mérito intelectual) dependerá o regresso da diáspora egitaniense, que, por necessidade ou oportunidade, se viu obrigada a emigrar. A grande maioria dos que foram gostaria de voltar. É preciso que a Guarda nos queira de volta.

Pedro Quinaz*

* Mestre em Finanças, pós-graduado em Banca, Regulação e Supervisão Financeira

Sobre o autor

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