A magia está de regresso ao cinema pela mão do seu principal artífice (com apenas Tim Burton a fazer-lhe frente) Steven Spielberg. Após o apaziguamento de uma consciência mais social, com filmes como «Lista de Schindler», «Resgate do Soldado Ryan» ou «Amistad», o autor de «E.T.» regressou, nos últimos anos, à fantasia a que sempre nos tinha habituado. E se ainda restavam dúvidas, nas mentes dos mais cépticos, é cada vez mais um facto indiscutível que Spielberg já não sabe fazer maus filmes. Já aqui foi escrito antes, mas o número vai aumentado a cada novo trabalho seu. Com o agora estreado «The Terminal», já vai em quatro obras-primas seguidas («Inteligência Artificial», de 2001; «Relatório Minoritário», de 2002 e «Apanha-me se Puderes», também de 2002), e só apenas numa década que não chegou ainda a meio. São poucos os que se podem «gabar» do mesmo.
Baseado, no seu ponto de partida e inspiração, num caso verídico de um iraniano que ainda hoje, dezasseis anos depois, continua a viver num aeroporto parisiense, «The Terminal» acompanha os dias loucos de um habitante do leste europeu, Viktor Navorski, que, a caminho de Nova Iorque, acaba retido no aeroporto JFK. Enquanto no ar, Navorski, sem desconfiar da velocidade da história abaixo dos seus pés, transforma-se num apátrida, quando um golpe de estado acontece no seu país de origem. Retido no confinado espaço de um aeroporto, proibido de entrar em Nova Iorque, a personagem interpretada por Tom Hanks (mais um oscar?!) irá transformar aquele no seu mundo. Um mundo que tentará transformar e melhorar. Bem ao estilo das personagens de Frank Capra, também Narvoski é uma daquelas pessoas sem uma grama de maldade, que jamais conseguirá tolerar injustiças e que tudo fará para as eliminar. Se o Mr Smith de Capra, a caminho de Washington, tivesse ficado preso num qualquer aeroporto, o filme desses dias não seria muito diferente deste. Falando de Capra, e olhando para trás, é fácil constatar que já não se fazem filmes assim, num regresso a uma ingenuidade há muito perdida. Um cinema onde bondade e honestidade, nos dias de hoje, tanta gente consegue irritar, incapazes de recuperar a inocência inicial, de um olhar virgem e isento de preconceitos. Para «The Terminal» é favor, cada um dos espectadores, abandonar por duas horas a dura carapaça usada no seu dia-a-dia.
Bem disposto e humorado, passam também por aqui referências, mais directas ou não, a filmes como «E.T.», na vontade de um regresso a casa, de alguém preso num lugar que lhe é estranho, e Narvosky chega mesmo a dizer, a meio do filme, «i’m calling home»; também «Forrest Gump», na ingenuidade que une ambas as personagens, nos assalta constantemente a memória. A presença, supervisionando o argumento, de Andrew Niccol, talvez ajude a perceber as semelhanças, por vezes, com o «big-brotheriano» «The Truman Show». Como peixe num aquário, todos os passos de Narvoski são acompanhados.
Este é um filme feito por alguém que se recusa a cair na banalidade. na formatação de ideias e soluções, conseguindo surpreender em cada novo trabalho. Quando já não parece possível ultrapassar o patamar antes atingindo, Spielberg continua, num ritmo imparável, a provar o oposto. Por respeitar toda uma história que o cinema deixa todos os dias para trás, Spielberg oferece-nos, uma vez mais, um daqueles filmes com entrada imediata nos melhores de sempre.
Por: Hugo Sousa
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