1. Assistir à última emissão do programa “Olhos nos Olhos”, na TVI24, é essencial para se perceber porque é que o país chegou onde chegou. Financeiramente, claro. Mas, sobretudo, política e moralmente. A emissão foi dedicada às PPP (os acrónimos não têm plural) rodoviárias. Ou, mais concretamente, ao quadro contratual definido em 2009 e 2010, pela mão do governo de Sócrates, entre o Estado e os concessionários. Uma manigância criminosa, com consequências absolutamente ruinosas para o erário público. Que inclui anexos secretos, que escaparam ao controlo do próprio Tribunal de Contas. E onde está prevista uma taxa de disponibilidade viária, que consiste num encargo assumido pelo Estado, onde se prevê um pagamento aos concessionários, à taxa diária de 25%, só pelo facto de as auto-estradas estarem em funcionamentos. Um exemplo, para ilustrar a dimensão da catástrofe: essa taxa, somada às indemnizações aos concessionários, absorveu, em 2012, a totalidade das poupanças obtidas com os cortes nos salários da função pública!…
Nesta emissão, foi convidado o prof. Paulo Morais, conhecido paladino da luta contra a corrupção. E que veio contar toda esta história sórdida, sob o título “Os 5 pecados das PPP”. Um conto de terror, cuja factura, com muitos zeros à direita, irá ser paga pelos contribuintes até, pelo menos, 2030. E que pecados são esses? Secretismo, taxas de rentabilidade garantida, prémios pela diminuição da sinistralidade, indemnizações aos concessionários e custo dos pórticos. Para terminar, lembro que, em 2011, Paulo Campos, secretário de Estado do Governo Sócrates e um dos maiores responsáveis por este crime, foi designado e eleito como cabeça de lista do PS pelo círculo da Guarda. Na altura em que, precisamente, teve início o pagamento das SCUT Interior Norte, Beiras Litoral e Alta. Ou seja, na A23 e A25. Curiosamente, a estrutura distrital do PS desse momento fatídico é a mesma em funções e vai ser eleita em breve à maneira albanesa. É por isso que não fica nada mal concluir que os povos têm os governantes que merecem.
2. A Guiné-Equatorial aderiu formalmente à CPLP. Qual foi o negócio por detrás disto? Petróleo? Capital financeiro? É certo que o território foi português até 1778. E que tem o maior PIB per capita do continente africano. Mas a esmagadora maioria da população vive na miséria. E o seu presidente, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, foi apontado pela revista Forbes como o oitavo governante mais rico do mundo. Porque será? Tudo isto cheira mal e tresanda a “real politik”
3. Há dias assim. Até podia deixar-vos com uma daquelas gravuras edificantes que fariam as delícias dos folhetinistas vitorianos e dos sonhadores por procuração… Refiro-me àqueles aforismos holísticos, dotados de uma profunda e esquiva ambiguidade. Do tipo “ah, sobre isto há um provérbio chinês que diz assim”. Podia? Sem dúvida. Mas não é esse o meu estilo. Em vez do poster, prefiro o epigrama. Não quer isto dizer que possua a obsessão da originalidade, a vanidade de agitar a diferença a todo o custo. Nada disso. É outra coisa. Certamente a forma de resistir à ditadura da reprodução, de que falava Walter Benjamim. E aí encontrar as palavras elas próprias confidentes. Aqui vai, então. É fascinante perceber, sem hesitações, uma coisa escandalosamente simples. Ou melhor, duas:
a) Aqueles que mais proclamam valores ou convicções sonantes, como solidariedade, repartição, igualdade, companheirismo, amizade, etc., são precisamente os que menos os praticam. Ou seja, tanto mais exaltam, quanto mais se esquecem. Tanto mais prometem, quanto menos cumprem. E por aí adiante… Tal estridência serve dois propósitos: enganarem-se a si próprios e iludirem os outros. Acontece que, neste último caso, o embuste não dura para sempre. Não porque os outros empreenderam uma cruzada em prol da verdade. Mas simplesmente porque ela se impõe por si própria, graças a circunstâncias alheias à vontade. Ou seja, quando chega a hora da verdade!…
b) Pronto, já vos ouço dizer que esta narrativa se parece com um romance policial, onde está prestes a surgir o inevitável mordomo… Desenganai-vos. É outra coisa. A hora da verdade é o momento exacto em que encaramos nos olhos desafios terríveis, de que desconhecemos o fundo e o porquê. O segundo onde a urgência das respostas faz esquecer as perguntas. A ocasião em que nos libertámos do medo. O instante preciso em que a flecha se solta do arco. E então damos conta de uma evidência, como uma espécie de revelação dolorosa e libertadora. Os tais arautos dos bons sentimentos, altos ideais humanitários, propósitos piedosos ou revolucionários, aparecem como simples bonecos em miniatura, esbracejantes, com voz de falsete. Os mesmos cuja candura ideológica se percebe só existir enquanto barreira de fumo, destinada a encobrir a sua realidade nua e crua. Onde reinam o egoísmo, a indiferença e a má-consciência. Porém, o mais importante vem a seguir. Olhamos em volta e percebemos que só estão realmente connosco aqueles onde a palavra e acção se confundem. Aqueles onde o tempo de um gesto enxuto se escreve sempre da mesma maneira.
Por: António Godinho Gil