Arquivo

tábua de marés

Honeyboy Hickling (http://www.honeyboyhickling.com/)

Com Bob Wilson, Tony Baylis e Tony Stuart

Pequeno Auditório do TMG, 27 de Fevereiro

Quando ouço R&B, seja na rádio ou numa sala de espectáculos, é como se tornasse a acreditar que a máquina do tempo realmente existe. E que, na maioria das vezes, esta se manifesta através da música. Neste caso concreto, é a simplicidade rítmica do género que continua a fascinar. Pelas mesmas razões porque se tornou a matriz do ‘rock’, e não só, a partir dos anos 60. Algo que, só por si, no mínimo, justifica uma comparência espaçada a um festim musical onde a linguagem do R&B é rainha. Sobretudo quando é invocada por intérpretes de eleição. Como é o caso precisamente de Simon ‘Honeyboy’ Hickling, o cantor e tocador de harmónica britânico que fechou a última edição do Festival “Inblues”. O qual, como se sabe, decorreu no último mês no Teatro Municipal da Guarda.

Quem é “Honeyboy”? Trata-se de uma figura destacada no género, com uma já longa carreira artística. A sua técnica única na execução da harmónica e o particular registo vocal granjearam-lhe uma sólida reputação internacional, como virtuoso desse instrumento. Mas Hickling é também compositor de fino recorte. Tem várias gravações no activo. Com a sua banda, lançou já cinco álbuns: “Straight from the Harp” (1994), “Blue it” (1998), “Blowin’ Through Town” (2001), “Bare Tracks”, com Gordon Smith (2002) e o recente “Blowin Thro Town”. A tournée que o músico e a sua banda fazem neste momento pela Europa – “Never Ending Tour” – de que este concerto faz parte, destina-se precisamente à apresentação de temas daquele trabalho, ao lado de composições anteriores e standards do repertório clássico. Foi também chamado a participar em diversas gravações como músico convidado: com Steve Marriott, a partir de 1988, em “Sing  the Blues Live”, “Poll Tax Blues” e “Thirty Seconds to Midnight”. Esta colaboração foi o passo decisivo na sua carreira, que até aí se tinha limitado ao roteiro de bares das Midland. Os músicos acabaram por tocar juntos durante três anos, período esse que alguns críticos assinalam como o mais profícuo da sua carreira. Gravou ainda com Bo Diddley, em “I Don’t Know  Where I’ve Been” e com Anthony Thistlewaite (ex Waterboy), em “Aesop  wrote a Fable”. Integrou igualmente uma memorável tournée, em 2001, intitulada “Nine Bellow Zero”. De um concerto onde participou, no London Astoria, em 2001, foi gravada em CD e DVD uma versão de “Big Train”, um tema de Steve Marriot. Actualmente, é reconhecido internacionalmente como um virtuoso, possuidor de um estilo inconfundível. Entretanto, tem participado nos principais festivais de Blues da Europa.

O espectáculo decorreu em crescendo, mas com a banda a agarrar o público desde a primeira nota. Depois, o profissionalismo dos executantes e a magia da harmónica de Hickling fizeram o resto. Lá para o fim, decidiu brindar a assistência com o hit: “Big Train”, de Marriot. Foi quanto bastou para empolgar os presentes e originar, em meu entender, o momento alto da noite.

“Passos Perdidos”

José Teixeira

Exposição patente na Galeria de Arte do TMG

De 17 de Janeiro a 8 de Março

Só para quem não sabe: José Teixeira licenciou-se em Escultura e realizou o Mestrado em Teorias da Arte na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. Local onde lecciona, actualmente, a cadeira de Artes Plásticas. Como escultor expõe regularmente desde 1980, dedicando-se à medalhística a partir de 1995, disciplina onde tem vindo a ser consagrado internacionalmente. Já viveu e estudou na Guarda.

Até agora, da obra do autor só conhecia algumas esculturas, a sua intervenção no Café concerto do TMG, há dois anos, a colaboração gráfica para a revista “Boca de Incêndio” e parte das suas medalhas. Portanto, a minha expectativa em relação a esta mostra era elevada. Todavia, antes da apreciação do evento, é fundamental lançar uma advertência: esta não é uma avaliação especializada nem deverá ser entendida como tal. É uma apreciação crítica, sim, mas ancorada na sensibilidade e no despojamento possíveis de quem a expressa.

Ora, a meu ver, esta exposição enferma de um problema de concepção e de organização do espaço. O que significa isto? A mostra é constituída por quatro blocos distintos: desenhos, esculturas, instalação e uma tapeçaria instalada numa plataforma, reproduzindo um labirinto. Os primeiros estão expostos ao longo da sala. As segundas aparecem à entrada da sala principal, a maioria das quais à esquerda. Com excepção do conjunto “Passagem a” e Passagem z” encostado a cada um dos lados da parede do hall. A instalação está na sala do fundo. Por último, a tapeçaria encontra-se ao fundo da sala grande, encostada à direita. Percorrido o espaço, é notória a descontinuidade entre os vários módulos. Não se trata, claro está, do seu mérito intrínseco, mas do modo como se relacionam, do desequilíbrio criado entre as várias linguagens, da ocupação excessiva do espaço. Portanto, com este acervo, em vez de uma, justificavam-se duas intervenções: a) uma instalação composta por dois módulos distintos, em espaços contíguos, mas individualizados, num a tecelagem e no outro, mantendo-se a instalação “The road to nowhere”; b) uma outra, constituída pelas obras pictóricas e escultóricas. Porquê? Para responder, para além das razões expostas, incluiria mais duas: 1) por um lado, a tapeçaria, pelo seu magnetismo, pela sua completude e pela capacidade evidenciada em criar perspectivas ilusórias, ganharia muito em “respirar” plenamente, sem nada à volta que a perturbasse. De modo que cada um a pudesse percorrer ainda antes de a pisar. Ou ser enganado pelo seu desenho. Ou atraído pelo seu mistério, como se nele repousasse a “forma do seu destino”, nas palavras de Borges, citadas na folha de sala; 2) por outro lado, a densidade e a verticalidade das esculturas aconselharia a uma visibilidade plena, sem objectos estranhos e sem constrangimentos. Portanto, esta exposição parece-me ser um exemplo claro onde a evidente qualidade das obras apresentadas ficou prejudicada pela sua organização e disposição. Aparte este “pormenor”, esta exposição de José Teixeira constitui um grande acontecimento artístico na cidade.

Por: António Godinho Gil

Sobre o autor

Leave a Reply