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Superlativos jornalísticos

Ladrar à Caravana

Megaprocesso na Estefânia. É com isto que o DN abre a edição de Terça Feira. É só um exemplo, pois basta dar uma olhadela para os jornais expostos em qualquer tabacaria para encontrarmos uma profusão de títulos semelhantes.

Esta moda de enfiar o exagero antes da notícia e do substantivo começa a dar alguns sinais de desgaste: é que o dicionário está prestes a esgotar-se, e depois só lá se vai com neologismos patetas para conseguir agarrar a atenção da malta, durante aquele centésimo de segundo crítico que decide se continuamos interessados ou se passamos adiante.

Assim, depois dos megaprocessos ou das superesquadras, seguem-se os ultraestádios do Euro2004, as gigamanifestações de estudantes ou as hiperfraudes fiscais. E aqui, se bem me lembro da lista dos superlativos, acaba a festa. Resta aos redactores fazerem um apelo à imaginação e começarem a construir superlativos compostos, como superultraministro, megagigaescândalo, e as inevitáveis variações ultramegaatentado ou supergigaepidemia. Aqui chegados, um último recurso: o megagigaultrasuperlativo.

Depois disto, aposto que a notoriedade passa a obter-se com a elegância da escrita, nomeadamente da sua contenção e adequação ao facto noticiado. Mas até chegarmos aí vamos ter de aguentar com ultrapaciência…

e antitabágicos

O terrorismo antitabágico irrita-me. Talvez por ser fumador, e (ó heresia!) ter prazer em fumar, ou talvez pelo meu incurável espírito de contradição, quanto mais assisto às manifestações fascizantes da criação de um espírito de ostracização dos fumadores, mais me apetece continuar a puxar do cigarrinho. E acendê-lo, em público, como manifestação de cidadania. É estúpido dizer isto (e escrever, então…), eu sei. Mas a vontade é essa. Qualquer dia os fumadores habilitam-se a ser apontados como os novos leprosos, e candidatam-se a ocupar o lugar deixado vago pelos homossexuais como alvos da ira e da intransigência dos iluminados que constroem a opinião, pretendendo deter uma verdade absoluta e um conhecimento preciso daquilo que é bom e daquilo que é mau. Isso costuma ser atribuído ao Criador, no Livro do Génesis, quando se lê “e Deus viu que aquilo era bom.” Tanto quanto sei, não há vagas para o lugar de Deus (embora não faltem candidatos…).

Sinto nestas campanhas a sombra de algo muito mais perigoso que os cancros e as doenças cardíacas que se pretendem prevenir. É algo nebuloso, indefinível ainda, mas que me preocupa. Que me preocupa mais do que o hipotético cancro que possa estar a cozinhar, neste momento em que escrevo estas linhas e vou, prazenteiramente, fumando o meu cigarro.

Por: Jorge Bacelar

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