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Sugestão «à medida» na portaria da Escola Superior de Saúde da Guarda

Referência específica a «um ou mais cursos» em Gouveia faz desconfiar responsáveis

A polémica parece não largar a futura Escola Superior de Tecnologias da Saúde da Guarda. Ainda só agora saiu do papel e já está no centro de mais uma controvérsia. É que a portaria que lhe dá origem, com base na transformação da Escola Superior de Enfermagem, publicada na passada quinta-feira em “Diário da República” refere explicitamente a criação de «um ou mais cursos» em Gouveia. Uma sugestão «à medida» que faz desconfiar a Câmara da Guarda e não caiu bem no seio do conselho directivo da nova escola, duas entidades que estranham uma «referência tão específica».

A portaria, a que “O Interior” teve acesso, parece encarregar já o «órgão estatutariamente competente» da recém-nascida Escola Superior de Saúde da Guarda de fundar os tais cursos em Gouveia, onde, ao que se apurou, já há instalações disponíveis para tal. Entretanto, a autarquia da “cidade-jardim” está a fazer tudo para proporcionar «todos os requisitos de natureza científica e pedagógica indispensáveis à qualidade do ensino a ministrar» de que fala a alínea 2 da mesma portaria. Há, por isso, na Guarda quem suspeite que os primeiros cursos da escola irão ver a luz do dia em Gouveia. O que ainda não é o caso de Abílio Figueiredo, também ele surpreendido com esta cláusula de salvaguarda. O presidente do conselho directivo da Escola Superior de Saúde estranha o «pormenor», tanto mais que «o mesmo não aconteceu em nenhum outro processo». O professor diz mesmo que «deve haver razões subjacentes», que desconhece, para tal especificidade, uma vez que a direcção da escola guardense «não foi tida nem achada» quanto à inclusão dessa alínea. E recorda que compete ao Conselho Científico decidir a abertura de novos cursos. «A escola não é apenas da Guarda, está disponível para colaborar com outras zonas do distrito. Mas neste caso nada foi conversado connosco, pelo que só podemos falar em termos de locais para estágio dos nossos formandos. Tudo o resto é inoportuno», refere Abílio Figueiredo.

Guarda passa bem sem estas «sugestões»

Nesse sentido, recorda que a Escola Superior de Saúde da Guarda já propôs para o ano lectivo 2005/2006 a criação dos cursos de Farmácia e Radiologia, com 20 a 25 vagas cada, e perspectiva outros de Ambiente e Anatomia Patológica no futuro. Desconfiada ficou também Maria do Carmo Borges, presidente da Câmara da Guarda, que na última reunião do executivo fez aprovar um pedido de esclarecimentos à ministra cessante do Ensino Superior, Maria da Graça Carvalho. «Será que houve pressão política para que isso ficasse logo definido?», insinua a edil, que não esquece que Álvaro Amaro (PSD) reclamou alto e bom som, em Fevereiro último, a criação de um pólo de ensino superior na área da saúde e reabilitação. «Parece-me haver aqui alguma discriminação, porque esta ressalva não aconteceu com outras escolas no país», acusa Maria do Carmo, para quem a Guarda passa bem sem estas «sugestões». Recorde-se que o presidente da Câmara de Gouveia rejeitou uma proposta do reitor da Universidade da Beira Interior (UBI) para a criação de um Centro de Estudos Superiores, vocacionado para os Cursos de Especialização Tecnológica (CET), na sua cidade. A preferência de Álvaro Amaro vai para um pólo de ensino superior vocacionado para a área da saúde e reabilitação, aproveitando a experiência da Associação de Beneficência Popular de Gouveia na área da reabilitação.

De resto, o presidente revelou a nega a Santos Silva no dia em que estava prevista a ida de Maria da Graça Carvalho a Gouveia, por ocasião da comemoração dos 17 anos de elevação de Gouveia a cidade. Uma visita que não aconteceu porque na Guarda estalou a polémica por se suspeitar que a ministra ia anunciar em Gouveia a criação da Escola Superior de Saúde da capital do distrito. Maria da Graça Carvalho não foi, mas esteve na Guarda dois dias depois para, em período de campanha, anunciar o esperado, guardando para mais tarde o pormenor dos cursos em Gouveia.

Sem dinheiro para obras

O silêncio do presidente do Politécnico da Guarda sobre as particularidades da portaria que transforma a Enfermagem em Escola Superior de Saúde da Guarda têm adensado as suspeitas. Por exemplo, Maria do Carmo Borges estranha que Jorge Mendes tenha tomado uma posição contra a criação da Escola Superior de Turismo do Fundão e «se mantenha calado neste caso, quando o que está em causa é a saída de cursos para outra cidade». Um cenário que a presidente não vai admitir, esperando que o Politécnico saiba «defender os interesses da cidade e das suas unidades orgânicas, evitando a criação de mais um pólo fora da Guarda, porque é isso que está em causa». Mais crítico, Joaquim Brigas, director da Escola Superior de Educação da Guarda (ESEG), constata que Mendes é conterrâneo de Álvaro Amaro e que esta portaria cria cursos ao contrário: «Há uma imposição do ministério que a futura escola vai ter que cumprir mais cedo ou mais tarde, porque o IPG não tem dinheiro para fazer obras naquela unidade orgânica e melhorar a qualidade das instalações para ser possível receber mais alunos», denuncia. Joaquim Brigas diz mesmo que é pena não haver na Guarda «ninguém capaz de reivindicar e defender investimentos e interesses» para a cidade, «à semelhança do que fez Álvaro Amaro para Gouveia que, pelos vistos, vai conseguir ter tudo o que pediu».

Politécnicos processam Estado para garantir autonomia financeira

Os Institutos Politécnicos anunciaram segunda-feira terem interposto uma acção no Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, reclamando o cumprimento da Lei da Autonomia do sector, que deve garantir a gestão autónoma dos orçamentos de cada instituição. Em declarações à Agência Lusa, Luciano Almeida, presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP), explicou que esta acção foi decidida pelas instituições no final de 2004, depois do ministro das Finanças, Bagão Félix, ter recusado a transferência de verbas, apesar de estarem orçamentadas. A «acção administrativa comum, de simples apreciação, sob a forma ordinária, contra o Ministério das Finanças e da Administração Pública» foi interposta no dia 21 de Fevereiro, perante a «violação sistemática da lei da autonomia», refere o CCISP em comunicado.

«O Conselho pretende ver esclarecido de uma vez por todas que, independentemente de qual seja o Governo, a Lei da Autonomia tem de ser cumprida», justificou Luciano Almeida, salientando que esta acção não tem como destinatário o novo Governo. «Depois de nos darem razão (em tribunal), qualquer Governo que seja eleito tem de respeitar a autonomia financeira das instituições bem como os seus orçamentos», salientou. De acordo com a legislação – que os politécnicos consideram que o Governo de Santana Lopes não cumpriu -, estas instituições podem utilizar, de forma autónoma, os saldos de gerência dos anos anteriores, e as verbas a transferir acordadas com a tutela não podem ser alteradas a meio do ano. No final de 2004, o Governo limitou as verbas transferidas aos politécnicos a duodécimos do orçamento previsto, sem ter em conta as alterações provocadas pelo pagamento de bolsas, projectos de investigação, obras com apoios comunitários ou mesmo dinheiro destinado aos subsídios de Natal.

Luis Martins

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