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Sting, os russos e a questão ucraniana

Theatrum Mundi

A questão ucraniana está a alarmar a Europa, até mais que a questão grega. Os círculos diplomáticos dão mostras de atividade fora do comum e, para muitos, a própria possibilidade do congelamento do conflito em torno das linhas de combate no leste da Ucrânia está posta em perigo e o conflito aberto mais real do que nunca. Os dirigentes das principais potências não escondem o alarme face à possibilidade de um conflito em larga escala deflagrar às portas da Europa e os fantasmas do conflito jugoslavo da década de 1990 regressaram para atormentar todo o continente. Neste contexto, a diplomacia europeia é claramente deficitária ou mesmo inexistente. Em torno da questão ucraniana têm-se composto e recomposto os principais eixos das diplomacias nacionais. Naquilo que é certamente o resultado do projeto unidimensional em que se tornou a Europa austeritária, a visão integrada do continente pelas instituições comunitárias tornou-se irrelevante. Assim, quem toma a iniciativa diplomática são as velhas chancelarias nacionais que disputam o protagonismo e a presença à mesa das negociações e decidem mais de acordo com a sua visão nacional privativa do que com uma visão europeia.

A fórmula da Normandia é a que por estes dias organiza as negociações em torno da Ucrânia e que junta à volta da mesa, ou por contacto telefónico, os chefes de estado ou de governo da Alemanha e França, Rússia e Ucrânia. A Polónia, muito ativa na fase precedente do conflito, viu-se ultrapassada na pretensão de fazer parte da solução para um conflito cuja gravidade crescente trará certamente um impacto duro sobre o seu território, economia e sociedade. Mas as relações tensas com a Rússia não permitiram a veleidade do protagonismo polaco. Sentados à mesa com Putin e Poroshenko, Merkel e Hollande assumem de repente a gravidade dos diplomatas do século XIX, quais Metternich e Talleyrand impotentes perante a astúcia – a britânica “cunning” – do czar Vladimir. Porque se Merkel e Holland se sentam à mesa das negociações para resolver a questão ucraniana, é a questão russa que verdadeiramente têm em mente. A questão ucraniana é mera derivação daquele que os europeus já pressentem como o seu problema mais grave e que enunciam cada vez mais abertamente. Para as chancelarias europeias, a Rússia de Putin comporta-se como uma potência revisionista do passado, que não hesita em invadir os seus vizinhos e usa meios híbridos para fazer a guerra e defender os seus interesses expansionistas. Por estes dias, velhos diplomatas discutem o que fazer quando Moscovo invadir Riga ou Tallinn.

A posição europeia face à Rússia é frágil. A multiplicidade de interesses no continente abre brechas na resolução de aprofundar as sanções contra Moscovo e os interesses que sustentam a novíssima aventura imperial. Há uma linha de vizinhos da Rússia que teme as represálias nos domínios energético e comercial, e a própria questão grega começa a ser colocada em termos da possibilidade de aproximação do governo de Alexis Tsipras ao gigante eslavo, em busca de compreensão, crédito e investimento. Alemães e franceses sabem da ambiguidade da sua posição à mesa das negociações. Sabem que ceder às pressões norte-americanas para armar o governo ucraniano contra os rebeldes apoiados pela Rússia equivale a entrar diretamente na guerra e a promover ativamente a escalada do conflito. Mas também sabem que ceder às pressões da Rússia equivale a um certo apaziguamento, dito de Munique, que lembra outros tempos e outras ameaças que nunca foram apaziguadas. Nem Hollande nem Merkel confiam em Putin, mas não podem deixar de se sentar à mesa com ele. Procuram agarrar-se à última réstia de esperança de que, entre os efeitos devastadores das sanções para a economia russa e a certeza de que os russos também amam os seus filhos, como cantava Sting na década de 1980, Putin compreenda que não tem nada a ganhar com esta guerra. Que de facto, para invocar de novo o clássico de Sting, “ninguém sai vitorioso de uma guerra”.

Por: Marcos Farias Ferreira

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