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Steve Jobs

O meu primeiro computador, comprado em 1990, foi um IBM PS1. Tinha 1 MB de memória RAM e 30 MB de disco. A velocidade do processador era 10 mhz, uma farturinha para a altura. O sistema operativo era o MS DOS 4.0. Vinha com um monitor a cores de 10 polegadas e era mudo, salvos uns vagos “bips” quando algo corria mal. “Pendurava” por dá cá aquela palha, era vulnerável aos mais variados vírus e era feio como o pecado – por dentro e por fora, no “hardware” e no “software”. Saía-se de uma aplicação com a tecla “escape”, noutra com a tecla f10, noutra ainda com a tecla f7. Cada aplicação (na altura dizia-se “programa”) trazia as suas próprias fontes, de maneira que se podia ter no disco várias versões do Times New Roman ou do Palatino.

O meu primeiro Macintosh foi uma revelação. Tinha som a sério, milhares de cores, um sistema operativo com uma biblioteca de tipos de letra comum a todas as aplicações. Estas tinham regras comuns entre si, partilhando os mesmos comandos: imprimir, guardar um documento, desfazer um comando, sair da aplicação, aceder à ajuda. Tudo funcionava de maneira intuitiva e era quase ponto de honra não se ler o manual. E não havia vírus. Havia finalmente tempo para se trabalhar com o computador e não, como até aí, a fazer intermináveis buscas a vírus, “backups”, formatações e reformatações do disco.

Em meados dos anos 90, contudo, a Apple estava em apuros. A Microsoft tinha conseguido impunemente copiar boa parte das ideias do Macintosh e este era quase residual no mercado dos PC. Por um momento falou-se em Cupertino de insolvência da empresa e a Apple esteve a um passo de pedir protecção contra credores. Suprema humilhação: a Microsoft, grande rival, numa jogada destinada a iludir as leis “anti-trust”, investe 150 milhões de euros na Apple. Era fundamental ajudar a única empresa que a impedia de ter o monopólio quase absoluto dos sistemas operativos para computadores pessoais. O regresso de Steve Jobs à empresa mudou rapidamente tudo. O sistema operativo transita para uma versão melhorada de UNIX, muito mais sólida e moderna que o Mac e o Windows, mantendo a simplicidade e transparência, para o utilizador, do original. Os produtos inovadores sucedem-se e são sucessivamente revolucionados os mercados dos leitores de MP3 e dos “smartphones”. No último ano, por várias vezes, a Apple torna-se na maior empresa do mundo, em capitalização bolsista, à frente da Exxon e vale hoje tanto como a Microsoft e a IBM, juntas.

O papel de Steve Jobs nesta história de sucesso foi fundamental. A empresa utilizou nos seus produtos muitas das mais de 300 patentes registadas por ele e seguiu sempre os princípios estéticos e programáticos por ele definidos. Dizia Steve Jobs que não se deve dar ao consumidor o que ele quer, mas sim fazê-lo descobrir que quer uma coisa que nem sequer imaginava existir ou ser possível. É por isso que hoje a Apple muda as regras do jogo e os outras seguem atrás, procurando reagir à novidade e à inovação.

Tudo isto é muito perturbante para alguma esquerda. Apressaram-se alguns em dizer que ele, Steve Jobs não inventou nada que outros não tivessem feito primeiro, que o sucesso da Apple dependia de trabalho escravo infantil na China, que os mesmos bons resultados seriam possíveis numa empresa socialista ou numa cooperativa em igualdade de condições. Nada disto resiste a uma boa análise (o trabalho infantil em empresas chinesas que fabricavam componentes para a Apple foi denunciado por inspectores da própria Apple) e nada disto mostra que tenham compreendido o que tornou Steve Jobs e a Apple tão diferentes dos outros: o respeito absoluto pelo utilizador enquanto ser humano falível e preguiçoso.

Mas a última tecnologia da Apple, ao querer dar o passo seguinte, torna-se algo inquietante: o assistente pessoal do novo IPhone (nome de código “Siri”), consegue “conversar” com o utilizador ao integrar um sistema evoluído de reconhecimento contextualizado de voz com inteligência artificial. Se disser ao telemóvel algo como “hoje vou precisar de usar guarda-chuva?”, ele vai verificar a sua localização, a previsão meteorológica e dizer-lhe “não, hoje vamos ter céu limpo”. É finalmente o Hal, de 2001 – Odisseia no Espaço, para o bem e para o mal.

Por: António Ferreira

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