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Sorbus latifolia

Editorial

Definitivamente, o executivo Municipal da Guarda não se dá bem com a Natureza! Depois do ignóbil corte massivo de cedros na Av. de Salamanca e do grotesco abate de 30 árvores no Parque Municipal, a Câmara de Álvaro Amaro foi agora travada por uma providência cautelar interposta por cidadãos contra o corte de mais árvores no Parque.

Da antiga Mata da Guarda, plantada no séc. XIX, que cresceu em toda a orla oeste e sudoeste da urbe, que se estendeu pela Malmedra, para lá da Dorna ou do Sanatório, que tinha vigilante e casa-do-guarda, que era um pulmão de uma pequena cidade e um alfobre de flora e vida natural, que era a essência e o caráter da Guarda, resta pouco. A segunda metade do séc. XX foi madrasta para um quadro natural impressionista, intenso e verde: depois da tempestade não veio a bonança – um ciclone, em 1941, tombou metade das árvores e a partir de então o “progresso” encarregou-se do resto. O “novo” Liceu Nacional, as casas nas Lameirinhas, o estádio municipal, o parque de campismo, as velhas piscinas municipais, o centro de emprego, tudo foi sendo erguido sobre o céspede de um bosque de ciprestes que pereceu quase sem deixar rasto.

Durante anos o Parque foi o espaço das delícias infantis, o recreio de alunos do liceu, o ponto de encontro de namorados, o trilho de atletas e o palco das Festas da Cidade. Sobre o lago desfilaram grandes nomes da “Rádio e da TV”, de Tonicha a Dulce Pontes, de Paulo de Carvalho a Rui Veloso, e até Luís Filipe Reis cumpriu o «sonho de menino» de subir ao palco no Parque. Por entre as árvores houve sempre muita vida, e na Festas da Cidade ainda mais: barracas de coletividades serviam comes e bebes noite dentro, proporcionando a foliões e noctívagos noites de lazer e excessos irrepetíveis. Depois vieram as festas académicas, com os estudantes do IPG a viver o Parque noite e dia – ali houve animação com pimbas como Quim Barreiros ou artistas internacionais como os La Frontera. Entre as festas académicas e as festas de verão milhares de pessoas desfrutavam por entre árvores imponentes – num Parque onde ainda reside um Sorbus Latifolia ou Mostajeiro-de folhas-largas, árvore rara e autóctone, referência da grande Rota dos Gigantes Verdes.

Nos anos 90, a autarquia promoveu a modernização do Parque Municipal da Guarda com um novo percurso pedestre, novos trilhos para desportistas, novo mobiliário e melhor limpeza. O projeto do (então) jovem arquiteto guardense Nuno Martins deu ao Parque uma luminosidade e uma nova auréola que permitiram outro desfrute. A intervenção mereceu elogios de todas as partes. Tantos, que o Nuno, o “nosso” Nuno, foi agraciado com a medalha de Mérito Municipal e “atirou-se ao mundo” com sucesso, depois de receber um prémio nacional pela qualidade da intervenção no Parque.

Com o emergir dessa outra obra notável de intervenção ambiental, o Parque Urbano do Rio Diz, no seguimento do programa Polis, o Parque Municipal passou a ser menos procurado. Sem vigilância, sem manutenção, pouco limpo e com um pavilhão entregue a uma empresa de call center, o Parque perdeu o élan e foi ficando abandonado. Abandonado em primeiro lugar pela autarquia, que, entretanto, já matou cerca de 30 árvores (notáveis) e quer cortar mais, em nome de uma ideia radiosa de muita luz solar e pouca vida vegetal. Muito para além do património de afetos que todos e cada um dos guardenses tem com as muitas e mui extraordinárias árvores do Parque, é um crime ambiental e um ato imoral continuar a destruir um legado arbóreo centenário. Álvaro Amaro prometeu «fazer obra, custe o que custar, gostem ou não», ainda que seja contra a Natureza e contra cidadãos da Guarda. O Parque Municipal precisa da requalificação, merece ser requalificado, mas dispensa-se o abate de mais árvores.

Luis Baptista-Martins

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Pedro lacomunica@gmail.com
Comentário:
Brilhante!
 

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