Aos profissionais liberais não lhes chega ter menos direitos e mais obrigações do que os trabalhadores por conta de outrem, têm ainda de aturar coisas a que mais ninguém é sujeito. Não têm direito a subsídio de férias ou de Natal, se tiram férias não as têm pagas e quantos mais dias tirarem maior é o prejuízo no escritório. Se ficarem doentes não têm subsídio de doença e se perderem a clientela, culpa sua ou da crise, não têm direito a subsídio de desemprego. São os eternos suspeitos fiscais, os últimos a receber na insolvência dos clientes, os inimigos da classe operária, aqueles que não recebem subsídios, nem ajudas de qualquer espécie, os esquecidos dos Quadros Comunitários de Apoio.
Para eles não há horários, sábados ou domingos, ou feriados. Os clientes telefonam-lhes à hora do almoço, à noite, depois de eles próprios saírem do trabalho e em geral sempre que se lembram. Antes de poderem tirar dinheiro para as suas despesas, têm um sem número de encargos fixos e sagrados, indispensáveis para manter a “máquina” em funcionamento: salários, segurança social, IVA, electricidade, água, rendas, leasings, consumíveis do escritório, contabilidade, quotas profissionais, fornecedores diversos.
Tudo isto é desagradável, mas é normal. (Foi a vida que escolheste, ou não? Se querias um mês de férias por ano, quarenta horas de trabalho por semana e todos os sábados, domingos, feriados e pontes do calendário, tivesses arranjado um emprego!)
Mas há depois aquilo com que se não contava: os clientes que desaparecem depois de terem o problema resolvido, os que na altura das contas questionam todos os cêntimos, os que procuram desesperadamente encontrar um defeito no trabalho, os que tentam responsabilizar o advogado, o médico, o contabilista, por alguma coisa que correu mal. Sem esquecer os das consultas na rua (“é só uma perguntinha rápida”), no café, aqueles que acham que temos de trabalhar para eles de borla porque eles, que diabo, são Fulano de Tal e os fulanos de tal não pagam – é de resto uma honra trabalhar para eles, mesmo que de borla.
Porquê tudo isto? Porque é suposto ser (também) esta a classe que vai criar postos de trabalho, pagar impostos, e pagar mais impostos, e ainda mais impostos, consumir e pôr dinheiro a circular, tudo de modo a tirar o país da crise. Motivação, perdoem-me o sarcasmo, não faltará, pois não?
Por: António Ferreira