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Sinais do Tempo

Vuvuzela 6

Quando escrevi o último artigo imaginei que os jogadores portugueses ganhassem pelo menos um jogo neste mundial e até dei o meu palpite com 5 vuvuzelas de constatações e tristezas, mas superaram-se e afinal ultrapassando todas as expectativas atingiram sem esforço as sete. Mas tudo voltou ao normal de Queirós e viemos embora sem uma vitória sob selecções a nós iguais em relação ao “rating” da FIFA. Os espanhóis em poucos dias cantaram vitória, primeiro no futebol depois nos negócios.

Na verdade, no mercado liberal e (quase) democrático ao qual aderimos não se pode entender a atitude de permanente regulação e ingerência do Estado. A PT foi uma empresa estatal, ou seja de todos nós, vendida entretanto para o mesmo Estado realizar mais-valias e comprada por alguns de nós (que rapidamente vendemos sem mais valias) e uns tantos agentes financeiros. Foi aquela época em que todos nos sentíamos donos de empresas e grandes jogadores da Bolsa e em que as nossas parcas economias nos faziam sentir capitalistas. Aquele tempo em que nos disseram que o valor das acções era elevado mas que permitiria realizar lucros rápidos e em que todos acreditámos. Enfim éramos donos de algo e comprámos de novo o que já era nosso. PT, EDP, CIMPOR, REN, para citar as mais conhecidas… Mas tratando-se de empresas fundamentais para a economia e estratégia política, o Estado pretende manter o papel regulador e acima de tudo intervir nos negócios. Com a PT tem sido recorrente e como é evidente quem lá tem realmente empatado o capital não gosta. O Estado se quer mandar não vende e se vendeu e quer continuar a mandar, compra de novo mas com que capital? O que entretanto já gastou?

Mas o que menos gostei foi a soberba dos espanhóis só igualada pela do nosso Primeiro-Ministro. Desconheço os desenvolvimentos e as conversações tidas nos dias que antecederam a decisão e portanto nunca poderei tecer considerações sobre esses factos, mas não tenho dúvidas que a ideia com que ficamos, e é essa que importa, é que todo o processo teve mais uma vez um péssimo condutor, tal como a Selecção Nacional teve um péssimo treinador. Mais uma vez quase que podíamos ter sido bons…

Vuvuzela 7

Nos destros é no hemisfério cerebral direito que encontramos a área das emoções, a do reconhecimento musical enquanto melodia, enfim aqui encontramos a expressão menos racional e menos científica. É sem dúvida o nosso lado cultural em toda a sua magnitude. Sendo que politicamente a cultura mais erudita e mais revolucionária em relação ao conceito se associa à esquerda, até parece que o nosso corpo joga no contra.

Podíamos até levar a discussão à controvérsia máxima e achar que a cultura mais erudita e experimental é de esquerda mas a direita é que a paga. Obviamente que esta afirmação carrega um conceito burguês do que é a cultura nos nossos dias e que não devia corresponder à verdade. É um facto que ao longo da história os actos culturais inicialmente inatingíveis pela plebe, se foram democratizando e hoje só o hemisfério cerebral direito faz a escolha e define os critérios de bom ou mau gosto. É necessário treiná-lo ao longo dos tempos, é preciso introduzir-lhe conceitos. Tal como ensinamos e treinamos o lado esquerdo do cérebro para a matemática, para a construção de frases, para a ciência, etc..

Depois é preciso ter disponibilidade para aceitar os desafios e por vezes experimentar sensações diferentes que se tornarão em boas ou más. Caberá a cada um de nós procurá-las de novo ou recusá-las para todo o sempre. Um treino só é bem sucedido com tempo e dinheiro, mesmo muito dinheiro. De contrário a plebe continuará com a sua cultura e a cultura mais erudita continuará a ser acessível a meia dúzia de hemisférios cerebrais sendo que a maioria já coexistem no meio e fazem parte dele.

Há muita gente a viver destes actos culturais, seja a recibo verde, seja a contrato ou mais raramente pertencentes ao quadro de um qualquer Instituto Público ou Empresa Camarária ou Fundação. Em qualquer um dos casos é sempre o Estado o empregador, directa ou indirectamente.

Em tempo de crise o único mecenas que ainda subsiste por obrigação é mesmo o Estado. A crise como algo que envolve a razão e apesar de existir vida para além das ditas, motivará inevitavelmente cortes nas dotações orçamentais para aquilo a que o Estado por motivos de cultura política sempre se habituou a utilizar a seu jeito e de forma racional, ou seja utilizando o hemisfério esquerdo como o dominante, tal como ele é nos destros.

Cultura é uma festa e não estamos em tempo de festas, dirão os mais radicais, assim, recomenda-se um corte de 20 agora e depois 30%. Outros há que optarão por não fazer ondas e evitarão as despesas extraordinárias, para que possam subsistir neste mundo em que alguém tem que usar o hemisfério esquerdo e fazer contas. Todos ficarão com a impressão que houve cortes e que houve menos dinheiro, mas, mais uma vez, contra tudo e contra todos, mesmo contra os velhos do Restelo, a Cultura subsistirá porque… bem, porque sem hemisfério direito viveríamos, mas que era mais difícil aturar os políticos e as agências de rating e a Telefónica e a PT, isso era de certeza.

Vuvuzela 0

A nossa Selecção de futebol regressou a casa e ninguém se incomodou. Dois empates, uma vitória, uma derrota, constituíram o saldo. O pior, claro que foi o Ronaldo, o melhor foi o Eduardo. Lembram-se quem foi o nosso herói no europeu de 2004, foi mesmo o guarda-redes. Nós somos assim, melhores a defender do que a atacar.

Disse-me o Zezito, que eu por vezes tenho dificuldade em perceber, que as vuvuzelas quase deixaram de se ouvir, mas disse ainda que não há mais à venda. Só havia nas lojas Galp, onde também ofereciam viagens e bilhetes á África do Sul. Não foi contemplado? Eu também não. Mas voltando às vuvuzelas, ainda bem que a moda não pegou para preservar a nossa sanidade mental, estou convencido que alguns ainda as vão continuar a soprar mais algum tempo, mas sem que façam mossa na nossa percepção musical, está claro.

Por: João Santiago Correia

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