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Sem mim

Corta!

Produzido pelos irmãos Almodóvar, esta co-produção entre espanhóis e canadianos, na sua sinopse, remete-nos desde logo para melodramas televisivos. Dos mais rascas e reles. Daqueles que em cinco minutos está toda a família alagada em lágrimas. Mas, desenganem-se os que gostam e os que detestam tais filmes. Com elegância, alguma sobriedade e bom gosto, a realizadora catalã Isabel Coixet consegue assinar uma das surpresas da temporada. Para tal ajudando imenso, claro, estar rodeada de filmes, ultimamente estreados entre nós, que não interessam a ninguém. O Verão costuma trazer sempre consigo os piores filmes, mas este ano alguém parece disposto a bater todos os máximos (ou mínimos, neste caso).

Então e que sinopse tão melodramática é essa? Uma jovem de vinte e poucos anos, com duas filhas e casada com um daqueles jovens com emprego sempre incerto, recebe a noticia de que tem apenas dois meses de vida. Nas mãos de um Ken Loach ou Mike Leigh, principais representantes de um certo realismo britânico para o qual se tem cada vez menos paciência, lá iríamos parar no óbvio, com trabalhadores desesperados, sem futuro à vista, porcos, feios e maus. Aqui não encontramos esse tão habitual desespero, e tantos motivos havia para tal, optando antes a realizadora deste «A Minha Vida Sem Mim», pelo lado da esperança, sem cair num outro erro possível, que passaria por um registo do lado oposto aos britânicos, num estilo tipo «publicidade a iogurtes», de que «Amélie Poulain» é o expoente máximo. O futuro, que não existe, acaba por sair reforçado, na vontade de uma jovem em prolongar ao máximo as suas experiências. Se o normal aqui seria encontrar uma jovem disposta apenas a ajudar o próximo (que fixação é esta do cinema europeu mais recente com tais pessoas?), não é só isso que vemos aqui. E ainda bem. É nesta dualidade, entre ajudar aqueles que ama, não se esquecendo de tudo aquilo que não viveu e gostaria de viver, que «A Minha Vida Sem Mim» mais ganha se comparado com filmes com idêntica temática. E por aqui não há sequer ninguém porco, feio ou sequer mau.

Ao receber a notícia, a jovem Ann (intrepretada por uma quase desconhecida Sarah Polley) decide apenas encontrar formas de viver melhor e mais intensamente os seus últimos dias, sem esquecer quem lhe está mais próximo. Da lista de objectivos que faz, que vão desde «amar outro homem», «fazer com que alguém se apaixone por ela», «dizer às filhas que as ama, várias vezes ao dia», «arranjar uma mulher para o seu marido», vamos acompanhando a sua realização, sem que o filme caia jamais no território das lágrimas fáceis. Não são sequer lágrimas o que nos vai surgindo ao longo do seu visionamento, mas antes sorrisos. Sorrisos de uma simpatia cúmplice, conseguidos à custa de intrepretações seguras, de actores muitos deles praticamente desconhecidos do grande público, mas que há muito andam metidos nestas andanças.

Sem ser brilhante, «A Minha Vida Sem Mim» consegue utilizar eficazmente todos os trunfos ao seu dispor, com uma honestidade poucas vezes vista, transformando-se assim no mais simpático filme presente actualmente nas salas portuguesas.

Por: Hugo Sousa

cinecorta@hotmail.com

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