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Segunda-Feira de Manhã

Depois de três anos de “ajustamento” o défice comercial está nos seis mil milhões de euros, o que é o mesmo que dizer que por ano compramos ao estrangeiro mais um BPN (exagero por defeito) do que vendemos. O desemprego continua acima dos catorze por cento. Continuam a fechar empresas e aumenta a pobreza. Há todos os dias dezenas de famílias que se vêem definitivamente impossibilitadas de pagar a hipoteca da casa. A maior parte dos acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães têm a ver com insolvências, pessoais e de empresas, e falta de pagamento de alimentos a menores. Há cartões de crédito com taxas de juro associadas de 30%. Há gerentes bancários que, entre dois telefonemas a clientes com créditos vencidos, vão fantasiando sobre as vantagens do suicídio.

Perante isto, que faz o governo? Aumenta os impostos. E a oposição da área do poder? Mete nojo em doses catastróficas. Estamos num país parecido com um célebre filme de Harold Ramis, com Bill Murray, em que este se encontrava aprisionado num único dia que se ia repetindo até à náusea e ao desespero, gesto por gesto, acontecimento por acontecimento (Grounhog Day, de 1993). Em Portugal parece que é sempre segunda-feira de manhã e que nunca nos iremos conseguir libertar desta sensação de desânimo e cansaço que o reinício de uma tarefa vã, e impossível, sempre trazem. Em cada manhã somos Murray, ou Sísifo, e enfrentamos uma lista de tarefas impossível: ganhar o suficiente para pagar todos os nossos encargos e os encargos de um dos Estados mais vorazes e ineficientes de que há memória, para tudo recomeçar na manhã seguinte. Para sempre.

Havia mesmo assim uma reserva de orgulho que ia tornando tudo isto suportável. Tínhamos uma selecção de futebol que era considerada uma das dez melhores do mundo e temos os nossos filhos, uma das mais qualificadas e brilhantes gerações da nossa história. A selecção, é bom que percebamos ter acabado a idade de ouro iniciada por Carlos Queiroz e que nos habituemos à ideia de uma longa travessia do deserto. Quanto aos nossos filhos, oxalá sejam felizes onde lhes dêem uma oportunidade de mostrar o que valem. Certamente longe de Portugal.

Quanto a nós, teremos de ir aturando, todas estas segundas-feiras de manhã, com a nossa proverbial e bovina placidez, a pior e mais desqualificada, a mais imbecil, balofa e impreparada geração de políticos de que temos memória.

Por: António Ferreira

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