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Se numa noite de Outono um assaltante

Extremo Acidental

Depois do contributo à medicina privada e às estatísticas de saúde que fui relatando neste espaço, esta semana calhou participar no esforço nacional em benefício de indivíduos empreendedores, daqueles que seguem os princípios miguelistas – dos renegados Miguel Relvas e Miguel Gonçalves – “só não tens dinheiro para pagar as propinas se não quiseres”. No final de 2013 constarei como um número nos anuários do INE nas rubricas “cirurgias” e “assaltos”, em ambas como sujeito passivo e nos dois casos com desconforto e prejuízo financeiro.

Quem me assaltou o carro demonstrou duas qualidades – perseverança e objectividade. Depois do fracasso de tentar abrir a porta destruindo a fechadura, não desistiram. Dirigiram-se ao lado contrário e partiram o vidro para entrar no carro. Depois de vasculhar tudo, levaram apenas o pouquíssimo dinheiro que por lá andava e o meu cartão de cidadão. Tudo o resto estava espalhado pelo chão e pelos bancos.

Sinceramente, fiquei em choque. Tinha no carro um livro de história da Idade Média, um CD do Sérgio Godinho e o jogo do Scrabble. E quem assaltou o carro mexeu-lhes mas não os levou. Gatunice eu posso compreender, mas burrice é coisa que me chateia.

No entanto, reconheço que o assalto foi um contributo importante quer para a economia privada quer para as finanças públicas. Por um lado, se a Toyota não fizesse fechaduras tão seguras, a Glassdrive não vendia tantos vidros. Por outro, se todos os portugueses fizessem um cartão de cidadão por semestre, o Estado arrecadaria 250 milhões de euros por ano. Assim, já não era necessário retirar as pensões de sobrevivência a nenhuma viúva e ainda sobrava dinheiro para mais canais da RTP.

Além disso, posso finalmente alterar a fotografia do cartão. Neste que me foi subtraído eu não estava com boa cara, um sinal de que alguma coisa não estava bem, como acabou por se provar nas idas ao hospital.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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