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«Se considerarmos a eletricidade produzida pelas eólicas e o valor da água da barragem sairão seguramente dez milhões de euros por ano de Malcata. E o que fica disso?»

P – O movimento “Malcata Pro-Futuro” queixou-se à Comissão Europeia contra o Estado Português e a Agência Portuguesa do Ambiente com que argumentos?

R – Porque consideramos que a emissão da DIA (Declaração de Impacto Ambiental), por parte da APA, para o Sobreequipamento não atende às preocupações da população relativamente ao ruído, não apela a alternativas, não considera os efeitos ambientais conjugados da barragem e do parque eólico e não refere suficientes medidas de compensação ambiental, de valorização e recuperação dos habitats, a monitorização de açudes tradicionais que a barragem afetou, a exclusão do pastoreio, etc. A DIA não apela ainda à necessidade de envolver minimamente as comunidades locais, associações e proprietários. Em suma, desejamos que as autoridades ambientais portuguesas promovam um processo de EIA (Estudo de Avaliação de Impacto Ambiental) que, de maneira séria e completa, considere os efeitos ambientais conjugados da barragem e do parque eólico com 19 aerogeradores, uma vez que ambos decorreram à margem de princípios do direito comunitário.

P – Em que é que a ampliação do parque eólico de Penamacor 3B é prejudicial à freguesia?

R – Em Malcata não é fácil encontrar economia. A maior riqueza é o sossego, a qualidade paisagística e pouco mais. Tudo isso está hoje comprometido com os aerogeradores e com a barragem. Para além do ruído, os atuais 19 aerogeradores impactam enormemente na paisagem. Consideramos que se ultrapassou mesmo o limiar da aceitabilidade… Está irremediavelmente afetada a qualidade de vida e o bem-estar de uma população e o futuro de uma comunidade. É uma população que tem sido completamente desconsiderada e que assiste, com tristeza e alguma revolta, à desvalorização considerável do valor real e potencial dos seus ativos (terras e casas, …). Acrescente-se que assistimos a uma desvalorização progressiva da marca “Lince da Malcata”, que poderia ser um importante instrumento de criação de valor, porque é amplamente conhecida a nível nacional, e que tem hoje um valor depreciado pelas eólicas. Por alguma razão a programa de reintrodução do lince ibérico não contempla a Serra de Malcata. Gostaríamos, no entanto, de frisar que a população de Malcata defende o desenvolvimento sustentável na sua verdadeira aceção, ou seja, através da conciliação de aspetos ambientais, sociais e económicos. No caso de Malcata consideramos que depois da construção e enchimento de uma barragem, seguindo-se a construção de um parque eólico de19 aerogeradores, ambos os empreendimentos sem EIA, o desequilíbrio sobre uma população é evidente. Há que reparar o mal que foi feito.

P – Essas queixas foram apresentadas durante a fase de discussão pública do empreendimento e ninguém lhes deu importância? Receberam alguma justificação para isso?

R – O movimento “Malcata Pro-futuro” expressou-se em fase de consulta pública através da manifestação de uma posição desfavorável, pela Junta de Freguesia, coadjuvada por um abaixo-assinado subscrito por 61 pessoas. Fê-lo também através de uma exposição, subscrita por 43 pessoas, relativa ao Plano de Monitorização do ruído dirigida ao senhor presidente da APA e de outra exposição ao presidente da APA, subscrita por 107 pessoas, sobre as fragilidades encontradas na Declaração de Impacto Ambiental. O caso foi também exposto ao ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia. Mas, inexplicavelmente, o movimento não obteve qualquer resposta sobre as anteriores iniciativas.

P – Quais são as contrapartidas concedidas à freguesia pelo concessionário do parque eólico?

R – Desconhecemos se houve ou não houve contrapartidas. Se as houve, elas não foram até hoje percebidas pela população. O que sabemos é que os interessados no parque eólico são a LESTENERGIA (produtor de energia elétrica), sobretudo a Câmara de Penamacor e residualmente a Câmara do Sabugal, o intermediário do arrendamento dos terrenos, os proprietários dos terrenos (que recebem migalhas). Os totalmente prejudicados são a grande maioria dos malcatenhos em termos paisagísticos, de ruído, fauna, flora, atividade cinegética e na desvalorização das suas casas, terrenos, etc.…!

Estamos perante uma grande injustiça e um grande desequilíbrio de apropriação de valor. Se considerarmos o valor da eletricidade produzida pelas eólicas e o valor da água da barragem de fins múltiplos (para irrigação da Cova da Beira, abastecimento de água a populações, combate a incêndios e produção de energia elétrica), tudo somado sairão seguramente dez milhões de euros por ano de Malcata. E o que fica disso em Malcata? Menos de 25 mil euros anuais relativos a rendas dos terrenos que são ainda repartidos a 50 por cento com uma intermediação arrendatária.

P – O movimento conta com o apoio da Junta e da Câmara do Sabugal nesta ação?

R – Na reunião de 13 de dezembro de 2014, convocada pelo movimento, foi feito o ponto de situação das atividades. A população aclamou e apoiou o movimento. A Junta também manifestou o seu apoio.

P – Já foram abordados pelo concessionário para resolver o assunto? Há alternativas à ampliação do parque eólico ou não?

R – Ainda não fomos abordados pela Lestenergia. Nem é obrigatório que o sejamos. As nossas exigências e preocupações situam-se na esfera do Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia. Em nosso entender existem alternativas à instalação do sobreequipamento, como sejam, a não instalação, o armazenamento, a relocalização para longe do agregado populacional de Malcata. Transmitimos ainda ao senhor ministro opções técnicas alternativas que passariam pela exploração conjunta do parque eólico, sem sobreequipamento, e da central hidroelétrica, com efeitos equivalentes ou mesmo melhores. No fundo, a questão que se coloca é saber por que o Estado emite uma DIA que privilegia os interesses energéticos, desconsidera a preocupação da população, desvaloriza as componentes económicas e sociais e que nem sequer obrigue o promotor a apresentar alternativas. Mais ainda, isto quando os consumos de energia estão em baixa, aos níveis de 2007 e o défice tarifário está descontrolado.

P – Até onde tencionam ir com esta ação?

R – Vamos continuar a exercer os nossos direitos de cidadania, de indignação, manifestando-nos pacificamente, esperando o contraditório científico e institucional do Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia. Temos esse direito. Ainda não surgiu até hoje, o que lamentamos. Em última instância iremos recorrer aos tribunais.

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Nota da redação: Excecionalmente, não se publicam dados biográficos do entrevistado porque o “Malcata Pró-futuro” não prescindiu de se apresentar como «grupo de cidadãos que decidiu constituir-se como movimento com o exclusivo objetivo de, em conjunto, refletirem e agirem em prol de um futuro sustentável para Malcata». Assim, a entrevista foi concedida pela direção do movimento: Amílcar Fernandes, 69 anos, reformado; Gilberto Pires, 71 anos, reformado; José Lucas, 67 anos, reformado; Belmiro Varandas, 71, reformado; e Carlos Cacheira, 67, reformado.

Amílcar Fernandes, Carlos Vaz, Carlos Cacheira, Belmiro Varandas e Gilberto Pires

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