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Saúde na Guarda: a desertificação

O sol escaldante e o ar seco de julho não conseguiram distrair-nos das enormes dificuldades e das deficiências na área da Saúde do distrito da Guarda.

Nem a falta de climatização dos Centros de Saúde, nem as infiltrações da água das chuvas invernais nos corredores do hospital nos fariam esquecer a situação mais do que degradante dos serviços de saúde no distrito.

A Ordem dos Médicos visitou, nos dias 8 e 9 de julho, algumas instituições de saúde da região com o objetivo de conhecer as condições e os meios de prestação dos cuidados de saúde e de as dar a conhecer aos responsáveis do setor.

O balanço apresenta-se francamente negativo. Os limites territoriais do país não incluíram a Guarda nas rotas da preocupação do Ministério da Saúde. É notório o desprezo com que tem sido tratada a Beira Alta, visível, sobretudo, na gravíssima falta de profissionais de saúde e de condições para a prestação de cuidados condignos e de qualidade.

Não podemos compactuar como tal situação!

A falta de uma gestão cuidada e planeada de recursos humanos têm desestruturado os serviços clínicos do Hospital Sousa Martins causando, em grande medida, entraves a uma adequada prestação de cuidados de saúde. As escalas de Urgência estão semeadas de “buracos” por falta de cardiologistas e ortopedistas, entre outros. O serviço de Cardiologia, por exemplo, com uma atividade e dinamismo notórios, tem um quadro de três médicos, nitidamente insuficiente. Outros serviços já assumiram que, para manter a atividade assistencial, terão enormes dificuldades em assumir a sua importante missão de formação de novos profissionais.

O serviço de Medicina Interna, apesar das instalações degradantes, projeta uma expansão da sua atividade e do seu espaço capaz de responder melhor às necessidades dos doentes. Os serviços de Ortopedia e de Cirurgia encetaram um caminho da consolidação das suas equipas para melhorar e aprofundar a sua atividade assistencial e formativa. O novo espaço do serviço de Urgência está, entretanto, em reorganização e distribuição dos profissionais respeitando as suas competências e diferenciação. A falta de profissionais, na Urgência tem causado um excesso de turnos, entre os quais de médicos em formação. Estes deveriam dedicar grande parte do seu tempo à aprendizagem da sua especialidade e não colmatarem falhas de recursos humanos. Todo o Hospital está, aliás, numa fase de adaptação para contrariar as múltiplas dificuldades que enfrenta diariamente.

Não vale a pena o Ministério da Saúde engambelar esta situação preocupante com a abertura de vagas para especialidades médicas e abrindo, simultaneamente, as mesmas vagas em hospitais do litoral do País com maior capacidade de atração.

Os cuidados de saúde primários – desertificados de médicos – mantêm a sua atividade com enormes dificuldades. O esforço dos profissionais já ultrapassou o limite do tolerável e o recurso à contratação de profissionais com contratos de vínculo instável não tem permitido a consolidação de equipas e a dotação de um quadro próprio de médicos.

Não vale a pena o Ministério da Saúde prometer um médico de família a todos os portuguese e, depois, dificultar e arrastar por vários meses a concretização dos concursos e a execução dos contratos. Pouco tem sido feito, nesta área, e muito poderia ter sido evitado. Caso existisse essa vontade…

O distrito da Guarda sofre com a falta de profissionais na esmagadora maioria das especialidades médicas. Esse é o problema central da Saúde na região. Não resolver rapidamente esta lacuna poderá provocar o colapso dos cuidados de saúde. Só quem está inerte e aconchegado na opacidade dos gabinetes do Ministério da Saúde não entende esta evidência.

A Saúde não se “faz” só de paredes de edifícios sumptuosos para servirem inaugurações pomposas. Além do mais, nalguns casos, são edifícios sobredimensionados e inadaptados às necessidades, exemplo do pior despesismo que tem existido em Portugal: o moderno e exagerado edifício do Hospital Sousa Martins ou o novo Centro de Saúde de Figueira de Castelo Rodrigo onde nem sequer foi previsto um espaço próprio para o atendimento urgente.

Ao desmérito do Ministério da Saúde contrapõe-se o mérito do profissionais de Saúde que, através do seu esforço e da sua dedicação, têm lutado energicamente para ultrapassarem este cenário catastrófico. Os centros de saúde desertificados de médicos mantêm a sua atividade graças à enorme dedicação dos poucos médicos de família dos quadros e dos médicos com vínculos precários mas com uma ligação de grande proximidade aos seus doentes.

A forma como a Saúde tem sido tratada, os doentes e os profissionais desprezados, não são mais do que casos de negligência. O distrito da Guarda merece mais atenção da Administração Regional de Saúde do Centro e do Ministério da Saúde. Por mais quanto tempo manterão essa indiferença?

Por: Carlos Cortes

* Presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos. Inicia nesta edição uma colaboração mensal n’O INTERIOR

Comentários dos nossos leitores
ND morlando2005@gmail.com
Comentário:
Muito bom! Uma visao realista e corajosa sobre o Hospital. São precisas mais vozes assim! Obrigado
 

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