O Teatro Casa da Comédia revela quarta-feira o lado polémico de São Francisco de Assis em “O Santo Jogral Francisco”, de Dario Fo. A peça, encenada por Nuno Pinto Custódio, sobe ao palco do auditório municipal da Guarda e apresenta cinco episódios da vida do santo de Assis, pioneiro das questões ecológicas e pacifistas, mas também exímio comunicador e teorizador. Filipe Crawford interpreta esta personagem controversa da história da Igreja Católica, que o acusou de heresia, antes de o beatificar, e votou as suas obras à fogueira.
Essa ambiguidade é o ponto de partida de Dario Fo (Prémio Nobel da Literatura em 1997), que se baseou em textos canónicos ou fábulas populares para traçar, no seu estilo encantador e subversivo, um perfil surpreendente de Francisco de Assis. Neste monólogo o santo aparece retratado como um jogral – coisa que na Idade Média era uma ousadia e uma afronta, sobretudo para alguém oriundo de famílias ricas e influentes –, descrito por um cronista da época como alguém que «do corpo fazia palavra». Sabia usar a voz e projectá-la para multidões de milhares de pessoas, ora no mercado de uma praça, ora em campo aberto, «é alguém que fala com a mesma facilidade com os amigos ou com multidões anónimas, consigo próprio ou com os animais, com Deus e com a vida no seu sentido mais lato», refere o Nuno Pinto Custódio, para quem o santo percebeu que «há neste mundo mais felicidade em dar do que em receber. E talvez seja essa a melhor definição que encontramos para definir o que é verdadeiramente um comunicador e um actor». Defensor da natureza, dos animais e pioneiro de questões ecológicas e pacifistas (temas hoje, e cada vez mais, tão prementes e actuais), Francisco de Assis foi, contudo, o santo mais branqueado da Igreja. Os seus pensamentos e as suas novas ideias sobre o cristianismo foram lançados à fogueira como se fossem escritos blasfemos, permanecendo ocultados durante séculos.
Valeu a intervenção de muitos dos seus irmãos franciscanos, firmes defensores da regra original do Santo, que os fizeram ressurgir, revelando-o como referência e figura incontornável, não só da Igreja mas também do mundo Ocidental. “O Santo Jogral Francisco” é o último texto de Dario Fo, onde São Francisco é apresentado como uma personagem extraordinária e multifacetada. Do jovem estroina ao revolucionário com consciência social e política, do homem simples e despojado, em crise, ao pregador da caridade e do amor pelo próximo, do defensor da natureza e da paz ao crítico da Igreja e do Poder, Francisco revela uma humanidade imensa. A peça implica um trabalho impressionante de Filipe Crawford, que, sozinho no palco, faz cruzar outras personagens com o santo, como o Narrador, os Populares, o Lobo de Gubio, o Cardeal Colona ou o Papa. «Estas são algumas das travestisses do Santo Jogral, mas nenhuma tem a mesma dificuldade que a personagem de Francisco que, de certa forma, é transversal a todas», explica o actor. Os ingressos custam três euros, sujeitos a descontos e reservas nos locais habituais.
Luis Martins