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São as autárquicas, estúpido!

Tresler

1.As coisas não começaram bem. As candidaturas autárquicas na Guarda conseguiram juntar na cidade todos os fenómenos políticos que já víamos espalhados aí pelo país e que enchiam as entradas dos telejornais. Em poucas semanas emergiram na Guarda os dinossauros limitados pela lei, os candidatos derrotados nas eleições internas ou nos processos de pré-candidatura nos partidos (com a derrota atravessada na garganta), tendo ressurgido também (à maneira das presidenciais) o entusiasmo pelas candidaturas independentes. Tudo fenómenos mais que habituais mas que aqui ganharam foros de requinte. Requinte ao se ter utilizado uma conta anónima do Facebook como ninho de uma candidatura (de Bento) que se negou primeiro, mas que finalmente saiu. Requinte ao se ter criado uma narrativa sui generis para o lançamento dessa candidatura independente: o culpado era o candidato vencedor da eleição intrapartidária por supostamente não ter conseguido a unidade do partido no período pós-eleitoral. Requinte quando o mesmo candidato, agora independente, quis continuar com os pelouros na Câmara em que era vereador após ter rasgado o cartão do partido em que era militante, em cuja lista fora eleito e cujo programa ajudara a escrever.

2.O que está em causa na candidatura independente de Bento e Rodrigues na maioria das opiniões que vou ouvindo não são as suas ideias e as suas capacidades. Trata-se sobretudo de uma questão de ética apontada à decisão de se erigirem como candidatos. Não se limitando a ética a uma soma de grandes princípios que cada um assume à sua maneira apesar dos outros, ela é sobretudo a consciência dos limites diante dos outros, realizando-se em gestos formais e concretos. No caso das candidaturas dentro de partidos a ética reside na apresentação leal de candidaturas, no respeito pelos resultados, no abandono das pretensões de uma candidatura derrotada (nas urnas ou em processo de decisão aceite democraticamente) mesmo quando se tem a convicção de que se é o melhor, na renúncia aos pelouros detidos na câmara ao se colocar como adversário da lista autárquica em que se foi eleito. Custa aceitar uma derrota quando se tem expectativas de ganhar ou a convicção de que se é o candidato “natural”. Custa muito sentir que a candidatura derrotada dentro do partido teria armas que a candidatura vencedora supostamente não terá. Pois custa, mas há outros caminhos e outros tempos para a vida. E a generalidade das pessoas interrogar-se-á sobre o sentido das palavras “lealdade”, “verticalidade” e “confiança” diante de fugas para a frente como as verificadas e quando dois adversários num dia aparecem juntos a encabeçar uma lista no dia seguinte. A ideia de legitimidade política que se põe para Amaro quanto à questão dos 3 mandatos põe-se para Bento e Rodrigues no campo da legitimidade ética, o maior desafio que a candidatura terá de ultrapassar até setembro para ser levada a sério.

3.Vamos agora às expectativas. O que fará votar alguém no candidato A ou B na Guarda? Para além de uma equipa que “encha o olho”, na Guarda só poderá ser um candidato que prometa (e convença disso o eleitorado) iniciativa económica, criação de empregos, modernização da cidade, manutenção ou reforço dos serviços do Estado, afluência de turistas (o turismo nunca teve aqui uma visão), atração de marcas comerciais e unidades industriais, movimento, muito movimento. Em suma: o famoso “crescimento”, comprometido numa pesada fatura de dívidas camarárias a pagar, entretanto esquecidas após o desenlace benfazejo do programa PAEL. Notamos desde sempre nas conversas dos guardenses a ânsia de um presidente providencial, uma figura construída à maneira de Carlos Pinto (Covilhã), Joaquim Mourão (Castelo Branco) e Fernando Ruas (Viseu), autarcas de cidades médias em que se inveja a capacidade de realização e a intervenção dinâmica e esclarecida. O que caracteriza os mandatos destes homens que não reconhecemos aos nossos recentes presidentes? Sobretudo a visão, o rasgo, a transformação, a sensibilidade à vida moderna, a consecução de investimento, uma atitude de otimismo e de capacidade de “fazer acreditar” na transformação.

4.Para lá disto, sabemos que a eleição de uma câmara se centra na figura do seu presidente e por isso o cabeça-de-lista da lista mais votada é automaticamente eleito presidente. Aos outros eleitos serão entregues pelouros se o presidente assim o entender. Este beneficia assim de um regime quase presidencialista porque é eleito diretamente pela população e ganha daí também as responsabilidades. Como referem Sidónio Pardal e José Poças Esteves, coordenadores da obra “Ser Autarca – Missão e Desafios”, recentemente lançada, é na «capacidade de apostar e concretizar de um Presidente» que se joga a grandeza da política autárquica. O autarca desempenhará assim, nas palavras destes especialistas, as funções de presidente (representando o concelho e conhecendo-o bem), de visionário (mantendo a visão e a esperança), de carismático (tendo capacidade de argumentar e convencer mas no campo da verdade), de suserano (definindo estratégias e gerindo projetos), de chefe de família (praticando uma comunicação e uma solidariedade personalizada para os munícipes), de homem de contactos (fomentando a comunicação em todos os planos), de gestor (gerindo a boa aplicação dos dinheiros públicos). Quem tem características tão exigentes? Que ganhe o melhor!

Por: Joaquim Igreja

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