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Sangue, suor e lágrimas

Editorial

A fatídica madrugada da Sexta-Feira Santa foi uma noite trágica para os doze portugueses que perderam a vida num acidente em França. Um acidente absurdo, como são absurdos todos os acidentes, que vitimou emigrantes de Trancoso (Palhais), Sernancelhe e Cinfães.

Um acidente onde a incúria e a irresponsabilidade são o denominador comum de tão grande tragédia. Onde um rapaz de 19 anos, sem experiência, conduziu a vida de uma dezena de emigrantes que sonhavam com os afetos da família e o sabor do regresso à “terra”.

Um acidente que nos obriga a recordar o padecimento dos que partiram, dos que vivem noutros países, e nestas épocas festivas regressam, porque os emigrantes regressam sempre. E nos obriga a recordar tantos outros acidentes que vitimaram emigrantes nas estradas espanholas ou francesas ou portuguesas, com menos impacto mas igual sofrimento. Como há 20 ou há 30 ou há 40 anos, os emigrantes continuam a lutar por uma vida melhor. Uma vida que é uma aventura, aceitando todos os sacrifícios, até a própria vida.

Muito para além do brilho das luzes e das discussões sobre rendimentos milionários e salários de milhares de euros, os portugueses continuam pobres e a sofrer em silêncio. Todos os anos milhares de portugueses continuam a emigrar para fugir à miséria e à pobreza, e arriscam a vida todos os dias, lá longe, no país de acolhimento, na terra de sonhos por cumprir e por isso regressam todos os anos nem que seja ao monte. Qual tragédia humana que ninguém quer ver.

Mas este é um acidente que tem muito de incúria, e também culpa de quem se fazia transportar, dos emigrantes que facilitaram escolhendo estes transportadores da miséria, de viaturas sem condições – 13 pessoas numa furgoneta de seis lugares por 200 euros por cabeça. Há anos que este tipo de transporte percorre as estradas entre Portugal e os núcleos de emigrantes em França, na Suíça ou no Luxemburgo. Que recolhem pessoas na “casa de cá” e os levam para a “casa de lá” num porta a porta sem limite de bagagem. Há anos que todos vemos passar estes “minibus”, sem segurança, carregados de passageiros e com atrelado. Incompreensivelmente, as autoridades não atuam e permitem que estes candongueiros transportem pessoas como se fossem gado. São empresários com muito jeito e sempre prontos para dar um “jeitinho”, que fazem concorrência desleal às empresas de transporte e ao transporte profissional, e carregam a miséria humana de quem se sujeita a tudo.

A melhor homenagem que se pode fazer aos 12 portugueses que perderam a vida em Moulins é aumentar a fiscalização sobre o transporte de pessoas, que viajam enlatadas. E é sensibilizar os emigrantes para escolherem melhor o transporte, porque de pouco vale uma vida de sacrifícios, que acaba em sangue e lágrimas.

Luis Baptista-Martins

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