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Sabor a gente

Agosto é um tempo de contra-realidade em todo o interior raiano.

São os dias das Aldeias vivas, cheias de emigrantes, um mês que cheira a confraternização e festa, que sabe a Família e amigos, que cheira e sabe a vida.

Há como que um milagre que acontece em todos recantos do nosso Distrito que desperta de uma longa e profunda hibernação, para ganhar um cosmopolitismo improvável com sons de outros idiomas.

Que doce sabor têm as férias e o regresso ao ponto de origem…

Num destes dias eis-me a caminho de uma Capeia numa qualquer Aldeia do concelho de Sabugal.

À entrada de Aldeia da Ponte, na longa reta da estrada nacional, eis a confirmação da sensação com que ficara, dias antes, numa receção oficial aos nossos compatriotas na fronteira de Vilar formoso; imagem impressionante, os milhares de veículos que, em fila constante, entram no nosso País, nos fins de Julho.

Como impressionante é, também, ver no ar cansado da longa viagem, o brilho nos olhos de felicidade, tranquilidade e paz por estar de novo no seu País, já bem perto de casa.

Em Aldeia da Ponte havia carros por todo o lado, um mar de gente acabara de participar num bem sucedido encerro.

Atravessada a custo esta Freguesia, dois ou três quilómetros adiante e eis-me perante nova multidão na Festa de Sacaparte.

Finalmente Aldeia do Bispo com gente por todo o lado, onde estacionar era uma aventura, qual “baixa” de uma grande cidade, com muitos espanhóis que tinham vindo para as emoções dos toiros e cavalos à desfilada, em correia louca, pela via que conduz à praça.

Em meia dúzia de quilómetros, no mesmo Concelho, duas freguesias que ao longo do ano não albergam mais que escassas centenas de habitantes, temos agora, neste Agosto quente, milhares de pessoas a viver momentos de tradição e Festa que enchem e nos enchem o coração.

São momentos acalorados, abençoados, aconchegados sobre o repicar alegre dos sinos das Igrejas, a devoção ao santo padroeiro, arraiais e romarias, procissões e bandas de música, boa disposição em ambiente descontraído.

O Sabugal é, porventura, o símbolo maior da ligação afectiva do emigrante ao seu torrão natal. Ligação que já é herança para as segundas ou terceiras gerações de luso-descendentes como podemos ver e confirmar.

Sem elas, muita Cultura tradicional há muito teria desaparecido.

E isso merece ser realçado porque essa autoestima nem sempre existe. O Homem e a Mulher da Beira não podem passar sem o aconchego da terra-mãe, sem o seu conforto ainda que frio e rude, mas é muito raro espontaneamente demonstrarem isso de forma efetiva e útil.

Cá no fundo, para cada um de nós, não outra terra como a nossa, a mais bela, a melhor terra do mundo, mas na relação com os outros gostamos mais da comparação que apouca, da crítica que destrói, do negativismo que desencoraja.

Sem ressentimentos do passado, os raianos dão força ao presente e mantêm vivo o futuro.

É tempo da Região cumprimentar a dolorosa coragem, a força, a garra dos nossos emigrantes, motivo de orgulho das nossas aldeias, dos nossos Concelhos, do Distrito e do País.

Está a passar meio século sobre a grande “fuga” para França, a salto, à mão dos passadores, com a ajuda preciosa dos muitos homens do contrabando, conhecedores dos trilhos da fronteira e dos hábitos da Guarda-Civil, da GNR ou da Guarda Fiscal.

Já foi possível ganhar o Senhor Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas para a concretização de uma Homenagem nacional a essa geração de portugueses da Raia – contrabandistas, passadores, emigrantes a salto, muitos ainda vivos – que com coragem e ousadia possibilitaram a milhares de portugueses chegar a França e a transformarem-se pela sua capacidade de trabalho e sofrimento, pela sua honradez, nos primeiros e verdadeiros embaixadores de Portugal na Europa, a que mais tarde iríamos aderir.

A evocação e reconstituição histórica dessa saga só poderá ser no Distrito da Guarda e no Concelho de Sabugal e pode evoluir e transformar-se num futuro Museu Nacional da Emigração.

É um projeto que vale a pena ambicionar e defender.

Os emigrantes dão-nos, todos os anos, uma grande lição: viver o presente e encarar o futuro sem os fantasmas do passado, com sorrisos rasgados e o coração cheio.

Por: Santinho Pacheco

* Deputado do PS na Assembleia da República eleito pelo círculo da Guarda.

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