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Roßhalde, Hermann Hesse

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Embora escrito antes da primeira guerra mundial, este drama psicológico aborda um tema intemporal, ou seja o desgaste lento e progressivo de um casamento bem como a luta travada por ambos os pais para a guarda de um filho.

Com o passar do tempo, os cônjuges Veraguth foram-se afastando a ponto de não terem mais nada em comum senão dois filhos, entre os quais o mais novo e também o mais querido, Pierre, que vive com eles. Apesar de partilharem ainda o mesmo espaço já que ambos vivem em Roßhalde, uma antiga casa senhorial adquirida dez anos atrás, Johann fez de um anexo o seu atelier de pintura que lhe serve ao mesmo tempo de refúgio, juntando-se à sua esposa no solar familiar apenas nas horas das refeições. São esses fugazes encontros com o seu filho mais novo, assim como as visitas regulares do benjamim ao seu atelier que lhe restituem uma felicidade momentânea e uma força de viver perdida desde o seu isolamento no anexo frio e solitário da propriedade. Mas se o pequeno Pierre se apresenta por um lado como o elo que une ambos os cônjuges a despeito das circunstâncias de conflito matrimonial, é também ele, paradoxalmente, quem mais os afasta já que aparece como o principal factor de todas as discordâncias no que diz respeito à sua guarda. No entanto, um terrível e inesperado acontecimento irá abalar o indolente e morno decorrer dos dias em Roßhalde: Pierre adoece e morre, vítima de uma meningite. E com o seu desaparecimento rompe-se também o frágil e último laço que aproximava ainda aquilo que timidamente subsistia de uma família em ruptura. O matrimónio desfaz-se naturalmente e ambas as personagens seguem de forma resignada o seu caminho: a mãe parte com Albert, o seu primogénito, enquanto o pintor empreende por sua vez uma viagem à Índia onde o espera o seu amigo Otto.

A intriga de Roßhalde é simples, sóbria, sem todavia carecer de interesse e de reflexão. Poderia ser o relato de vida de qualquer leitor que se reveja na história dos Veraguth, assim como o espelho de inúmeras pessoas afectadas pela mesma desilusão amorosa, pelo mesmo arrefecimento dos sentimentos gerado por longos anos de coabitação conjugal. A trivialidade dos acontecimentos, a lucidez de um casal em conflito e as suas opções de vida são as componentes essenciais de um romance que não prima por uma imaginação e uma criação literária transbordantes, mas sim por uma forte carga emocional, por uma florescência de sensações contraditórias, pela descrição da luta interior de um homem entre sentimentos de amor, de lassidão e de inconformidade perante as adversidades do destino. Essas emoções são ainda mais fortes quando exprimidas e sentidas por uma personagem masculina que, a dada altura da sua vida, repensa os seus êxitos e fracassos na qualidade de homem, de esposo e de pai. Mais parece o balanço de uma existência singular, marcada por pequenas glórias, por autênticos sentimentos de amor e ternura, por tímidas conquistas da felicidade ao longo dos anos, e também por fracassos emocionais originados pela saturação do matrimónio.

Por: Amália Fonseca

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