À Procura de Sugar Man (2012) foi o melhor documentário do ano passado: assim o indicia um Óscar, um Bafta e mais 28 prémios um pouco por todo o mundo. O cinema e a música envolvem-se com naturalidade, reinventando na tela o renascimento de um ícone que nunca o fora verdadeiramente: Rodriguez.
O realizador Malik Bendjelloul deambulou pela América do Sul e por África à procura de «histórias que valessem a pena ser contadas». A sua demanda acabaria por ser cruzar com aquela que, nos anos 90, levara Stephen “Sugar” Segerman e o jornalista Craig Bartholomew-Strydom a procurar Rodriguez, o músico americano que “abanou” a África do Sul. Tudo começou quando o realizador televisivo sueco entrou na loja de discos do primeiro, na Cidade do Cabo, e, sem financiamento, deu início às gravações com o seu iPhone.
Rodriguez era uma incógnita. No entanto, mesmo sem ter mais do que a figura misteriosa da capa de “Cold Fact”, a África do Sul acolheu-o – na década de 70 – como uma inspiração e o músico vendeu no país, sem saber, mais de 500 mil discos. Quem contestava o regime do apartheid identificou-se nas suas letras e ouviu nelas palavras de esperança, elevando Rodriguez a uma categoria (quase) inesperada: ali, o “Sugar Man” era maior do que Elvis Presley. Contudo, o anunciado “novo Bob Dylan” foi um falhanço de vendas nos Estados Unidos e desapareceu da mesma forma como surgiria: abruptamente e sem ninguém esperar. E assim nasceu o mito.
Rodriguez ter-se-ia suicidado em palco, diziam os rumores e lendas urbanas. No final da pior atuação da sua vida, em que o público o gozara, acrescentavam uns. Afinal, teria morrido na prisão após uma overdose, defendiam outros. E, à medida que os boatos alimentavam o mito, a verdade escondia-se na rotina de um homem dedicado, trabalhador e humilde. Searching for Sugar Man (2012) é um jogo de acasos e insucessos que não desanimam a vontade de mudar o mundo, que começa pela realidade de cada um. Mais do que um filme ou um conjunto de entrevistas e testemunhos, a obra de Malik Bendjelloul recua à essência das músicas de Rodriguez, soltando-as no espaço para que possam ser apreciadas com a atenção que merecem. As palavras são redescobertas no processo mas, em vez de mostrarem a natureza de “Sugar Man”, parecem escondê-lo e afastá-lo ainda mais do mundano, do real. E, enquanto a música reclama o seu lugar e conquista o público, a história faz o resto: entrega-nos Rodriguez. Que não nos esqueçamos dele novamente.
Sara Quelhas*
*Mestranda em Estudos Fílmicos e da Imagem (Estudos Artísticos) na Universidade de Coimbra
Próxima semana: Cristina Caramujo