Penso que encontrei o remédio para a minha embaraçosa inclinação gazeteira (que, em forma de voto de ano novo, me responsabilizo a emendar) no que toca a garantir a regularidade semanal deste espaço. A próxima vez que me vir aflito para entregar o “Jogo de Sombras” dentro do prazo tentarei um recurso que não deixará ficar mal nenhuma das partes: pedirei para publicar – republicar, melhor – a crónica da mesma semana do ano anterior. Poucos irão notar que não se trata de prosa fresca porque, infelizmente, a revisão dos acontecimentos desde há um ano ou dois só nos leva a duas conclusões: não se fez nada; não aconteceu nada. As promessas do passado são as patranhas do presente. O anseio de ontem é a resignação de hoje. A história, afinal, repete-se. Nesta vulnerabilidade colectiva encontrei uma oportunidade pessoal: a crónica de hoje é a que me terá levado menos tempo a escrever. O que se é mero copy-paste de textos que publiquei no ano passado. E vão só quatro exemplos.
Centro da Área Educativa. «Os acontecimentos da Coordenação da Área Educativa da Guarda são absolutamente lamentáveis. A começar pelo facto de não se tratar de acontecimentos da Área Educativa da Guarda. São, isso sim, os da gente sem ética nem preparação para dirigir um serviço público. São os da ausência de lucidez e coragem para resolver a situação antes de chegar aonde acabou por chegar. São os da ingerência descarada com fins políticos. (…) Esta é, provavelmente, a oportunidade que a classe política vê nos serviços públicos em geral e num organismo com as características da CAE em particular: manobrar, dominar, pôr e dispor de forma discricionária o processo de gestão de docentes (…), abrindo caminho a todo o tipo de influências e favores (…). O coordenador empossado esta semana, José Diogo Pinto, tem, ao menos, a vantagem de vir de fora e ser um ilustre desconhecido do inner circle dos mexericos locais. É possível que o deixem estar sossegado. Pelo menos até à próxima colocação de professores, lá para o Verão.»
(A mesma porta-voz do ministro da Educação que há um ano anunciou o despedimento de Joaquim Rita dos Santos e Henrique Monteiro por «notória desadequação às funções», antes mesmo de os visados terem tomado conhecimento oficial, antecipou-se também, na semana passada, a tornar pública a suspensão de José Diogo Pinto e a abertura de um processo de averiguações por suspeita de fraude na colocação de uma professora.)
Estacionamento. «Com o compromisso normalmente associado a actos para inglês ver, a Câmara da Guarda atirou para detrás das costas, na última sessão, os estudos prévios para a construção de um parque de estacionamento debaixo do Jardim José de Lemos, pedindo aos técnicos que continuem a imaginar a melhor forma. A proposta – um tanto voluntariosa – de um engenheiro de trânsito e do vereador do pelouro foi agendada mais por complacência do que por convicção, já que ocupara horas de trabalho de um serviço da autarquia. Mas ao perceber que a ideia suscitava interesse a presidente da Câmara ficou apavorada e propôs arrumar o assunto. Pelos vistos, Maria do Carmo tem “razões afectivas” que a poderão levar, se os técnicos insistirem, a barricar-se no jardim, pondo-o a coberto de qualquer investida de requalificação (…). O afecto manter-nos-á compulsivamente agarrados às arvorezinhas, aos caminhos de terra batida, aos vendedores de gelados e ao obelisco dedicado à guerra dos avozinhos.»
(O problema, quando se fala de «requalificação urbana» para a Guarda, é que não existe uma noção concreta e global do que isso possa significar. A ideia de um parque sob o Jardim José de Lemos ou noutro local qualquer – a exemplo dos que foram construídos em Viseu e na Covilhã – é para esquecer.)
Centro Histórico. «Ano após ano, a intervenção de fundo é adiada para o seguinte. E eis mais um Verão em que os carros circulam na Praça Velha, na Rua do Comércio, nas vielas antigas – em toda a parte. (…) Por falta de coragem, de autoridade e de visão estratégica temos, porventura, o último núcleo medieval do país à espera de ser devolvido às pessoas. Mas há, pelo menos, inteira coerência entre esta realidade e as restantes: um posto de turismo desactivado e outro que funciona em horário de expediente; os monumentos fechados; os locais de chegada, os pontos de encontro a as ruas principais onde não se vê um mapa da cidade no qual o visitante saiba que “você está aqui”; o comércio zeloso no cumprimento das horas de descanso (…); o ramo hoteleiro que aos domingos e dias santos mete tranca à porta.»
(O projecto do arquitecto Camilo Cortesão, no âmbito do Polis, para a requalificação da Praça Velha, era para ter sido lançado a concurso em Setembro, iniciado em Janeiro e concluído em Junho deste ano. Nem sombra disso. Só os vasos impedem a circulação na Rua do Comércio. Até ver.)
Pediatria. «Não se percebe se a demora na solução do problema da pediatria foi falta de jeito, ausência de coragem ou azar de conjuntura. Mas por fim o Hospital da Guarda tem o maior número de especialistas que alguma vez se imaginou e pôs a funcionar uma urgência pediátrica durante 24 horas (…). Claro que há sempre questões laterais que vão ficando sem resposta. Ninguém garante, por exemplo – nem mesmo as próprias –, que dentro de meio ano algumas das pediatras recém-formadas não regressem a casa.»
(Uma já desertou e outras duas vão a caminho. Não tarda volta tudo à estaca zero.)
Por: Rui Isidro