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Reorganização administrativa – Lei nº. 22/2012

Sonhar é preciso

“As regiões prósperas do século XXI serão aquelas que beneficiarem de um país agrícola viável que possa reconstituir, ao nível local uma economia duradoura assente na coesão social” (Gonçalo Ribeiro Telles)

O território português está a ser alvo de uma reorganização administrativa ao nível das freguesias.

É uma reforma impiedosa e não tem em conta alguns princípios básicos que, desde sempre, participaram na formação dos povoados rurais e na ocupação humana do território.

A concentração das populações nas cidades, quer à volta dos velhos centros, quer aglomerando-se casuisticamente em manchas periféricas, é hoje um dos mais graves problemas da humanidade.

O governo não teve a audácia de pensar um programa capaz de fazer o diagnóstico da doença que afeta o mundo rural. Falta ao governo a dimensão de liderança que constrói a esperança e tem capacidade de acreditar na cura.

Foi mais fácil atuar ao nível legislativo e impor uma nova organização, agregando compulsivamente, freguesias e populações que resistiram às anteriores reformas de Mouzinho da Silveira (1832) e de Passos Manuel (1836). Sobreviveram porque detinham uma estrutura social que suportava a existência de uma comunidade enraizada na geografia do terreno, detentora de um nível tecnológico adequado às suas atividades e auto reguladora dos ritmos demográficos indispensáveis à sua continuidade.

Desde há muitos anos que todos temos a consciência dum Mundo Rural que sofre uma acentuada perda de população, embora alguns estudos relacionados com várias regiões europeias venham dizendo que já se está a assistir a “uma renovação demográfica”.

O Governo de Portugal não seguiu o caminho do “renascimento rural”, escolheu o mais fácil: a continuação da morte lenta, o abandono das suas responsabilidades e a condenação do Mundo Rural português e das suas populações.

Com a Lei 22/2012, acentuam-se as assimetrias e as desigualdades são convidadas a persistir. As mais-valias são encaminhadas para o “novo urbano”, em particular ao nível dos equipamentos afetos à saúde, à educação, ao sistema de produção. O atual estado de despovoamento é mais o resultado de políticas públicas irresponsáveis, que têm sistematicamente ignorado o declínio do mundo rural, do que da evolução do mundo urbano.

Só um governo que sinta o país como um todo e que tenha a ambição de governar a favor do povo, poderá levar a modernidade necessária aos territórios rurais, num pressuposto de consciência e capacidade para fazer a avaliação, clara e objetiva, das múltiplas mudanças estruturais e societais que neles se vêm operando, bem como a aplicação de políticas públicas que incentivem e valorizem complementaridades territoriais e lhe confiram sustentabilidade, no sentido amplo do termo.

Para combater o actual estado de coisas são necessárias medidas que alterem e minimizem as consequências negativas dos ataques legislativos que, de há muito, vêm alvejando o meio rural. Deverá ser promovido o desenvolvimento do território pelo aproveitamento dos recursos endógenos, especialmente das pessoas, dos recursos naturais e patrimoniais, da valorização do ambiente, do lazer, do turismo, dos produtos autóctones com especial relevância para os mais competitivos em cada território. Tudo isto com recurso a uma diferenciação inovadora, a estratégias de comercialização e marketing. As atividades ligadas ao turismo deverão desenvolver-se numa óptica integrada, incluindo os produtos agrícolas de qualidade na oferta gastronómica regional, a articulação das potencialidades naturais do território e o seu património cultural.

Este “novo rural” exige estratégias nascidas do seu conhecimento profundo, forte ligação entre rural e urbano, participação concreta na utilização dos recursos, existência de fluxos de pessoas, bens, capitais e informação que sejam capazes de revitalizar um “rural” associado à solidariedade, à proximidade, à identidade cultural, a um mundo pleno de vida, de vitalidade e de coisas boas de que o Mundo Rural é o único depositário.

Por: José Quelhas Gaspar

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