“As regiões prósperas do século XXI serão aquelas que beneficiarem de um país agrícola viável que possa reconstituir, ao nível local uma economia duradoura assente na coesão social” (Gonçalo Ribeiro Telles)
O território português está a ser alvo de uma reorganização administrativa ao nível das freguesias.
É uma reforma impiedosa e não tem em conta alguns princípios básicos que, desde sempre, participaram na formação dos povoados rurais e na ocupação humana do território.
A concentração das populações nas cidades, quer à volta dos velhos centros, quer aglomerando-se casuisticamente em manchas periféricas, é hoje um dos mais graves problemas da humanidade.
O governo não teve a audácia de pensar um programa capaz de fazer o diagnóstico da doença que afeta o mundo rural. Falta ao governo a dimensão de liderança que constrói a esperança e tem capacidade de acreditar na cura.
Foi mais fácil atuar ao nível legislativo e impor uma nova organização, agregando compulsivamente, freguesias e populações que resistiram às anteriores reformas de Mouzinho da Silveira (1832) e de Passos Manuel (1836). Sobreviveram porque detinham uma estrutura social que suportava a existência de uma comunidade enraizada na geografia do terreno, detentora de um nível tecnológico adequado às suas atividades e auto reguladora dos ritmos demográficos indispensáveis à sua continuidade.
Desde há muitos anos que todos temos a consciência dum Mundo Rural que sofre uma acentuada perda de população, embora alguns estudos relacionados com várias regiões europeias venham dizendo que já se está a assistir a “uma renovação demográfica”.
O Governo de Portugal não seguiu o caminho do “renascimento rural”, escolheu o mais fácil: a continuação da morte lenta, o abandono das suas responsabilidades e a condenação do Mundo Rural português e das suas populações.
Com a Lei 22/2012, acentuam-se as assimetrias e as desigualdades são convidadas a persistir. As mais-valias são encaminhadas para o “novo urbano”, em particular ao nível dos equipamentos afetos à saúde, à educação, ao sistema de produção. O atual estado de despovoamento é mais o resultado de políticas públicas irresponsáveis, que têm sistematicamente ignorado o declínio do mundo rural, do que da evolução do mundo urbano.
Só um governo que sinta o país como um todo e que tenha a ambição de governar a favor do povo, poderá levar a modernidade necessária aos territórios rurais, num pressuposto de consciência e capacidade para fazer a avaliação, clara e objetiva, das múltiplas mudanças estruturais e societais que neles se vêm operando, bem como a aplicação de políticas públicas que incentivem e valorizem complementaridades territoriais e lhe confiram sustentabilidade, no sentido amplo do termo.
Para combater o actual estado de coisas são necessárias medidas que alterem e minimizem as consequências negativas dos ataques legislativos que, de há muito, vêm alvejando o meio rural. Deverá ser promovido o desenvolvimento do território pelo aproveitamento dos recursos endógenos, especialmente das pessoas, dos recursos naturais e patrimoniais, da valorização do ambiente, do lazer, do turismo, dos produtos autóctones com especial relevância para os mais competitivos em cada território. Tudo isto com recurso a uma diferenciação inovadora, a estratégias de comercialização e marketing. As atividades ligadas ao turismo deverão desenvolver-se numa óptica integrada, incluindo os produtos agrícolas de qualidade na oferta gastronómica regional, a articulação das potencialidades naturais do território e o seu património cultural.
Este “novo rural” exige estratégias nascidas do seu conhecimento profundo, forte ligação entre rural e urbano, participação concreta na utilização dos recursos, existência de fluxos de pessoas, bens, capitais e informação que sejam capazes de revitalizar um “rural” associado à solidariedade, à proximidade, à identidade cultural, a um mundo pleno de vida, de vitalidade e de coisas boas de que o Mundo Rural é o único depositário.
Por: José Quelhas Gaspar