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Regressar em agosto

Editorial

Num momento em que os olhos estão todos postos na “geração mais bem preparada de sempre” e cujo futuro passa pela emigração, em que o “choradinho” excessivo é desnecessário nestes tempos de Skype e Facebook, convém olhar para a história recente de Portugal, para o maior movimento de pessoas da segunda metade do século XX na Europa: a odisseia da emigração portuguesa. E homenagear os que partiram e agora regressam, ainda que por poucos dias.

Os portugueses da diáspora, que fugiram da ditadura, da pobreza ou da falta de oportunidades, regressam nos próximos dias, como todos os verões, para encherem de vida as nossas aldeias e reverem memórias e sentimentos contraditórios, mas sempre de grande afeto para com a pátria – porque ninguém hoje sabe verdadeiramente o que é o sentido de pátria sem ter sido emigrante no estrangeiro!

Agosto é um tempo de recuperar a identidade que se perdeu lá trás, ao partir, é um limbo entre a cultura de onde se parte e da cultura onde nunca se chega realmente a pertencer. Agosto é um parêntesis entre a memória, os afetos, a infância, a nostalgia, a família e o presente, que também é o futuro dos que partiram e por estes dias regressam. Agosto é um mês, que passa depressa e que, por entre a velocidade estonteante dos dias e das noites, deixa lágrimas e recordações, numa vida entre o sofrimento e a busca da dignidade, entre a ausência e o sucesso, entre a tristeza e a alegria. Por tudo isso, os emigrantes voltam. Voltam todos os anos, mesmo quando já não encontram nada, mesmo quando já não sentem afetos ou o sentimento já não é de pertença ao sítio onde nasceram, mas voltam… voltam pela luz, pelo cheiro da terra, pela imensa saudade de tudo o que ficou para trás, como se quisessem recuperar em poucos dias ou semanas tudo o que aconteceu e não puderam viver.

Os emigrantes guardam na sua memória um Portugal que já não existe e um modo de vida que sofreu uma enorme metamorfose. Regressam ao seu país, um país que está desesperadamente à procura de rumo, de soluções, de caminho. Um país onde emigrar volta a ser alternativa e onde o futuro está suspenso numa nuvem de austeridade e empobrecimento.

Bem-vindos. E voltem sempre.

PS: Em Portugal não há muita tradição de rádios regionais, e mesmo a imprensa regional sempre foi frágil – o analfabetismo generalizado castrou a possibilidade de existirem jornais diários nas capitas de distrito e a imprensa regional limita-se à existência semanal, e muitas vezes, na maioria dos distritos, a informação não passa da banalidade. Por entre o imobilismo e a ruralidade emergiu e afirmou-se um surpreendente projeto de comunicação: a Rádio Altitude. Fundada no Sanatório para “ligar” os doentes ali internados, o “mocas”, como carinhosamente ficou conhecida, sobreviveu e afirmou-se como a mais antiga rádio portuguesa, mas que sempre soube reinventar-se e assumir um papel de relevância regional. Esta semana comemora 66 anos. Parabéns!

Luis Baptista-Martins

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