Arquivo

Regenerar a cidade

Editorial

1. As obras públicas foram durante anos a matriz do investimento em Portugal. Construiu-se um pouco de tudo e, acabada a torneira europeia para o betão, o resultado está à vista: o país está falido pois criou infraestruturas, mas não se desenvolveu estruturalmente, nem estrategicamente.

Pelo meio, houve muitos projetos de qualificação urbana que permitiram a algumas cidades melhorarem a qualidade ambiental e urbana. Mas nem todas geriram bem os recursos disponíveis ou disponibilizados e não promoveram satisfatoriamente a urbanidade e a modernidade reclamada. As cidades do interior, até pelo baixo índice de desenvolvimento, cresceram de forma mais harmoniosa, mas lamentavelmente quase sempre com pouca qualidade e ainda menos cuidado ou “beleza”. A Guarda é disso exemplo. Há dez anos, por exemplo, Miguel Sousa Tavares escreveu no jornal “Público” que «a cidade da Guarda é tão feia que faz lembrar as mais desordenadas cidades do Leste europeu». A afirmação pareceu excessiva e levantou imensas vozes de protesto (por cá, claro). Como por esse tempo M. Sousa Tavares privilegiava O INTERIOR com a colaboração regular de uma crónica mensal, tive de ouvir alguns “recados” e muitas críticas (como se tivesse sido eu a induzir o escritor e jornalista a escrever tanto e tão mal da Guarda – só quem não o conhece poderia pensar isso – e quando o abordei para tentar suavizar opinião tão negativa sobre a cidade, ele reiterou que nunca tinha visto «tão mau urbanismo» como o que encontrou na Guarda. Ponto). Na verdade, só quem nunca leu Miguel de Unamuno, que viria a ser um «amigo da Guarda», se pode espantar por alguém escrever que a cidade não é bonita. O que nos devia antes preocupar era sobre as razões que levaram tão ilustres visitantes, com cem anos de diferença, a escrever isso sobre a Guarda. E o que nos devia preocupar era o que leva a que tantas pessoas a terem uma opinião negativa sobre a Guarda e como inverter essa imagem. E é responsabilidade de todos mudar essa percepção da cidade.

Atualmente há uma grande expectativa em relação aos programas de regeneração urbana, que são em primeiro lugar para requalificar aquilo que foi mal feito ou que foi piorando com o tempo. Infelizmente, a intervenção tem sido afetada pelas dificuldades financeiras da Câmara, com situações que se arrastam de forma incompreensível, como o Bairro de S. Domingos, em que as obras estão paradas há meses com prejuízos óbvios para a população. Ou no “arco comercial” (Bomfim/António Sérgio/Cidade Safed/Colégio S. José) onde as obras nem chegaram a arrancar; na zona da Escola da Sé, que precisa de qualificação, regeneração e segurança, nada… No centro, aplaude-se a intervenção na Avenida dos Bombeiros Egitanienses, que vai agora ser continuada, mas fica a sensação de falta de bom gosto com a colocação de floreiras pirosas, onde deviam estar inibidores esteticamente bem conseguidos e que contribuíssem para uma mobilidade em segurança. Aliás, esta rua devia ter apenas um sentido, ascendente porventura, pois com a abertura do Vivaci passou a ser das ruas com maiores fluxos de peões e com grandes constrangimentos de trânsito e perigosidade junto à rua do Comércio.

O centro da cidade está moribundo. É necessário criar condições para as pessoas passearem e desfrutarem do espaço público. Se não houver dinâmicas novas, em breve, a morte da Praça Velha irá estender-se a todo o centro da cidade.

2. Não vale a pena «bater mais no ceguinho», mas a verdade é que a intervenção com que o Presidente da República nos brindou, sobre a sua reforma, é um monumento à insensibilidade social e à falta de consideração pelas dificuldades porque estão a passar a maioria dos portugueses. Na verdade, o assunto não passa de um “fait-divers” em que Cavaco Silva evidenciou, mais uma vez, o seu egoísmo e falta de solidariedade para com os demais. Cavaco devia ter vergonha de invocar a sua condição de pensionista e usufruir de duas pensões quando está no ativo, como presidente da República. E Cavaco devia ter vergonha de insinuar que prescindiu do vencimento de presidente em favor das duas pensões por algum gesto de abnegação, quando optou apenas pela opção que lhe permite receber mais dinheiro. E Cavaco devia ter vergonha quando diz que não recebe salário como presidente e que quase nem ganha «para pagar as despesas», escondendo que tem todas as suas despesas pagas pela Presidência da República…

Luis Baptista-Martins

Sobre o autor

Leave a Reply