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Reflexões sobre as eleições

Razão e Região

O PS de José Sócrates ganhou as eleições com maioria absoluta. O novo Primeiro-ministro indigitado tem agora, por isso, o dever e a responsabilidade de formar um bom Governo. Um Governo à altura da confiança que os portugueses depositaram nele. Porque foi ele o rosto do PS. Porque foi ele quem representou essa mais-valia capaz de chamar ao voto e ao PS essa maioria única na história deste partido. Ele fez, portanto, a diferença. O seu rosto inspirou confiança à maioria dos portugueses. Cabe-lhe, por isso, agora, devolver-lhes essa confiança sob a forma de um bom governo e de melhores políticas. Estou certo de que o vai fazer, porque já demonstrou que tem uma linha de rumo: investir no desenvolvimento fundado na inteligência, no saber, na cultura, na força e na agilidade da ciência e da tecnologia. O que é o bom rumo, já que a ciência e a tecnologia são hoje as principais forças produtivas. É verdade. Mas é bom rumo também consolidar as finanças públicas sem pôr a economia a reboque de uma qualquer utopia de superavit, invertendo a escala de valores. E investir em novas políticas de qualidade que defendam os consumidores – que somos todos nós – e o ambiente das agressões de novos e anónimos poderes. Mas que defendam também os sectores mais fragilizados da nossa sociedade, em especial os idosos. Isso também já o disse. E modernizar e agilizar a administração pública, de quem todos dependemos. E tudo fazer para inverter a espiral de desemprego que se abateu sobre Portugal durante estes três anos dos governos incompetentes de Durão Barroso, Santana Lopes e Paulo Portas.

Este é um rumo concreto: trata-se de opções estruturantes nas áreas nucleares da sociedade a que pode dar corpo com um bom governo durante toda uma legislatura. O mandato de legislatura foi-lhe dado para isso. Em regime de mandato não imperativo, isto é, não revogável, como é próprio das democracias representativas.

Espera-se agora que todos façam a sua parte. E que não voltemos assistir ao inacreditável espectáculo mediático a que assistimos em 1999 sobre a composição do novo governo de António Guterres, a propósito do qual o insuspeito José António Saraiva disse: «Um dos maiores prazeres dos analistas políticos consiste em desfazerem os governos antes mesmo de tomarem posse». Com efeito, não só desfizeram o governo como, então, até lhe deram prazo de vida (por acaso, dois anos).

É certo que hoje vivemos na sociedade transparente, naquela sociedade onde os media estão «on line» vinte e quatro horas por dia. E que mantêm uma penetração difusa em toda a sociedade. É certo, por isso, que hoje o controlo da actividade política é também ele permanente e difuso. O que, aliás, constitui um bem precioso, contribuindo para que o cidadão, através dos mais variados meios e formas, esteja permanentemente informado sobre o andamento da actividade política.

Só que também aqui, como em tudo, se começam a manifestar fenómenos conexos de sinal oposto, vista a importância que o subsistema comunicacional tem vindo a conquistar em relação aos outros subsistemas sociais, por exemplo, em relação ao subsistema político, graças à sua especial colocação funcional no sistema social. O espaço público, que antes se situava no plano da geografia urbana, deslocou-se para o interior da esfera da comunicação, em especial para a esfera da comunicação electrónica. E este facto deu nova dimensão e novos poderes àquele subsistema, ao ponto de o ter elevado a directo concorrente do subsistema político.

Ora é aqui que nos situamos neste momento. O que é desejável, para que se possa obter real estabilidade, equilíbrio e balanço estratégico, é que os media cumpram a sua função no plano que lhes é próprio, um plano crítico, sem dúvida, mas também um plano propositivo, de equilíbrio, imparcialidade e objectividade. Enfim, que cumpram aquele que é o seu quadro deontológico de referência – que os legitima aos olhos do cidadão – e que resistam à tentação de se tornarem protagonistas num palco que não deve ser o deles.

Os media não existem para deitar governos abaixo: existem para informar um cidadão que, esse sim, pode escolher governos ou derrubá-los. O sistema eleitoral, de resto, prevê isso e até com regularidade pré-determinada. Quando este sistema é accionado ele produz vencidos e vencedores e, a estes, confere legitimidade de mandato, irrevogável. Ora se isto funciona assim, se são estas as regras que regulam o sistema, não é legítimo que os media procedam, poucos dias depois de conferida a legitimidade para governar, àquilo a que chamo «revogação informal do mandato» conferido pelo voto. Primeiro, porque esta não é a sua função. Segundo, porque é ilegítimo e gravemente contraditório com esse princípio estruturante da democracia que é o princípio electivo. É certo que alguém tem de controlar o poder no intervalo entre eleições. Todavia, este controlo deve ser feito quer pelas instituições de controlo quer pelos cidadãos – precisamente através de informação objectiva, imparcial e equilibrada fornecida pelos media – e não pelo pequeno grupo de comentadores que ocupam os interfaces da comunicação e que, por isso, detêm um poder discricionário que ninguém controla, excepto os proprietários. Porque, neste caso, já não se trata de informação. Trata-se de puro exercício do poder.

Por: João de Almeida Santos

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