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Reentrâncias

observatório de ornitorrincos

Quando acaba o Verão e as férias da época, Portugal regista um fenómeno típico do regresso a uma normalidade que se espera nas estações mais frescas. A reentrée. Sendo um fenómeno tão arreigado em Portugal, fascina-me como nem sequer existe uma palavra portuguesa para designar a passagem de época. Da mesma forma que utilizamos uma expressão inglesa que significa “época tonta” para falar do tempo de calor, roubámos um vocábulo francês – perfeitamente traduzível por “reentrada” – para nomear estas semanas de regressos e recomeços.

Confesso alguma hesitação inicial para desenvolver tão importante e relevante matéria, pois é sabido que Eduardo Prado Coelho não sabe quem sou.

Por esta altura do ano as boas revistas e suplementos de literatura (logo, excluindo a Xis) preenchem muito do seu espaço com a reentrada literária. A atenção incide sobretudo sobre o mercado editorial francês embora também sejam referidos os livros que valem realmente a pena ser lidos

O fim do Verão marca também a reentrada dos estudantes às escolas e universidades, para aprender, fazer amigos e apanhar doenças esquisitas. Apesar da intenção iluminista de formar bons cidadãos através da cultura, a escola continua a albergar alunos cretinos, também conhecidos no ensino superior por veteranos. Estes têm uma reentrada especial a que chamam praxe. A praxe é uma tradição, e por isso respeitável por definição, como todas as tradições. Tão respeitável como as práticas tradicionais da escravatura, da porrada na mulher, ou dos filhos dos pescadores continuarem pescadores em vez de se licenciarem na universidade.

Um mês antes havia sido a reentrada da nova época da SuperLiga e dos craques do Benfica que A Bola anuncia dia sim, dia não. Há muitos anos, este jornal desportivo passou mesmo de trissemanal para diário para poder fazer mais manchetes com os novos Eusébios e publicar varias entrevistas por semana ao treinador, ao secretário, aos apanha-bolas, ao tratador de relva e ao massagista testicular da equipa da Luz. O futebol é um jogo interessante em que duas equipas se defrontam para tentar mais golos que os adversários. Todas? Nem todas, algumas são treinadas por José Peseiro.

É normal os partidos políticos anunciarem a reentrada em comícios por esse país fora, para anunciar que já não estão de férias. Neste dia os jornalistas da secção de política nacional dos jornais sérios podem então ir de férias, porque os líderes já não vão responder a mais nenhum inquérito de Verão. Depois do regresso da vida política, acaba o interesse pela vida dos políticos.

Este ano, no entanto, foi marcado por três grandes reentradas. A de Fátima em Felgueiras, a de Manuel Alegre na tristeza das presidenciais e a de Brad Pitt numa outra actriz boazona. Pelo caminho perderam o respeito, o juízo e a Jennifer Aniston. Curiosamente, eu próprio nunca tive e nunca terei nada disto. E a ter, que seja a última.

Vêm aí as eleições autárquicas e talvez fosse razoável, à semelhança do que se faz na estrada, medir o nível de alcoolemia dos eleitores à entrada das secções de voto. Talvez se evitassem alguns acidentes.

EU SÓ VEJO ORNITORRINCOS

Esta secção arrisca-se a ser monopolizada durante vários meses por todos os candidatos presidenciais e treinadores da equipa principal de futebol do Sporting que já foram adjuntos de Carlos Queiroz. Deixemos os especímenes em paz. Agradecemos retribuição, se fazem favor.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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