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Recuso-me a alimentar a besta!

Um terrorista matou 87 pessoas num atentado. Nada tinha contra elas em particular, foram apenas matéria de uma campanha de comunicação para todo o mundo. Uma campanha com uma mensagem clara: Temei-nos!

Um homem, um camião, apenas isto. E tiveram uma campanha global imensa. A mensagem “Temei-nos” chegou a todo o mundo. Repito, um homem e um camião, apenas isto. O resto fomos nós que o fizemos.

As televisões perpassaram as imagens uma e outra vez, uma e outra vez, incessantemente, até à exaustão. Os jornais encheram-se de sangue. As redes sociais partilharam morte e morte, medo e medo e medo.

Se a mensagem era clara, “Temei-nos!”. A mensagem chegou.

Eles, quem quer que sejam, estão contentes. Sentados em frente a um qualquer televisor, a ver o seu trabalho repetido, repetido, repetido, repetido, até à exaustão – deve ser glorioso. Sentados a ouvir um qualquer comentador assustado, a ler um qualquer jornal que fala neste horror e – num afã de profissionalismo – aproveita para falar dos atentados anteriores, julgando talvez, que este não tem sangue que chegue para uma edição. Sentados a ver um sem-fim de partilhas do terror no facebook, no twitter…

Eles, quem quer que sejam, acreditem, estão contentes. Agradecem-nos.

Eles, quem quer que sejam, estão em êxtase e, é tal o prazer que lhes causamos, que vão voltar ao terreno para mais um atentado, e outro, e outro, e outro… e o mundo cá estará para os masturbar uma e outra vez, em tudo o que é comunicação. Eles agradecem consolados.

Eu por mim, quero que me informem. Que me informem, basta. Não quero a baba dos mortos a escorrer-me no ecrã da televisão, no computador, no telemóvel, não quero os meus filhos a gritar com medo. Que me informem, basta. Que me informem do essencial. Não quero nem saber o nome do terrorista, nem ver-lhe a cara, pois isso só serve para alimentar altares aos mártires do mal.

Recuso-me a colocar imagens do atentado de quinta-feira, recuso-me a publicitar um hediondo ato, recuso-me a alimentar o medo e o pânico, recuso-me… a colaborar com os terroristas e ampliar o efeito do seu abominável atentado. Recuso-me!!

Recuso-me a ver/ler/ouvir todos os meios de comunicação que, sem critérios válidos de edição informativa, se tornaram colaboracionistas do terror e dos seus mártires. Recuso-me!

Está na hora de haver critérios internacionais para lidar com estas situações, está na hora de as entidades reguladores terem uma palavra, está na hora de imperar o bom senso.

O mundo só pede que o informem, e isso basta. Não precisa que alimentem a besta!

Por: João Morgado

* Escritor

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