Arquivo

Razia na justiça

Distrito da Guarda pode perder sete comarcas no âmbito da reorganização do sistema judiciário português

O distrito da Guarda pode ficar sem sete tribunais se se concretizar a reorganização do sistema judiciário português. A extinção das respectivas comarcas foi o tema central de uma reunião em Pinhel, na passada segunda-feira, entre os autarcas de Almeida, Figueira de Castelo Rodrigo, Gouveia, Manteigas, Mêda, Pinhel e Trancoso. Em cima da mesa esteve o trabalho elaborado pelo Procurador Geral Distrital de Lisboa, João Dias Borges, e as suas conclusões.

O documento defende o fim das comarcas com menor volume de serviço e apresenta mesmo algumas alternativas. Como a integração dos tribunais de Figueira de Castelo Rodrigo, Mêda e Foz Côa em Trancoso ou a agregação de Almeida e Pinhel à Guarda. No caso de Fornos, os serviços transitarão para a vizinha Celorico da Beira, enquanto o Sabugal corre o risco de ter que resolver os seus assuntos judiciais na Covilhã. Mas nem todos perdem, pois Gouveia pode vir a assumir a comarca de Nelas. Estas são algumas das mudanças preconizadas e significam a manutenção de apenas cinco tribunais (Celorico, Gouveia, Guarda, Seia e Trancoso) no distrito. Para tal, algumas autarquias já foram abordadas para indicarem as redes de transportes públicos existentes entre as comarcas. O problema é que nos casos de Almeida, Figueira de Castelo Rodrigo e Sabugal não há actualmente qualquer ligação do género com os “novos” tribunais. «A concentração em Trancoso é uma das piores possíveis. É que aquela cidade dista 82 quilómetros de péssimas estradas nacionais da localidade mais a Norte do município e 63 quilómetros de Figueira», refere António Edmundo.

O autarca de Figueira de Castelo Rodrigo já protestou junto do Procurador Geral Distrital, em Coimbra, argumentando que o eventual fim da sua comarca é «o prémio para uma comunidade que não tem grande conflitualidade social». Mas vai mais longe em declarações a “O Interior”: «O regresso ao passado seria, porventura, melhor, pois parece que para termos saúde ou justiça vamos ter que andar não sei quantos quilómetros», lamenta, ironizando que os 100 mil novos funcionários públicos só entraram no litoral. «Em Figueira não há um médico novo há 20 anos», constata, pedindo uma análise de custos à continuidade do tribunal local. «Fica barato ao Ministério da Justiça», garante desde já, embora lamente os «atrasos no serviço e os muitos julgamentos por fazer». Contudo, António Edmundo receia que este seja o primeiro passo para uma reorganização das forças de segurança na região. «Será uma catástrofe», avisa, acusando o Estado de ser «co-responsável» pela desertificação do interior com esta e outras medidas similares na área da saúde e do ensino.

Em Fornos de Algodres, o presidente diz não ter conhecimento oficial de qualquer alteração, «mas tememos que isso aconteça», acrescenta José Miranda. «Seremos assim um país tão rico que desperdice os quatro milhões de euros que custou o nosso tribunal há apenas oito anos», interroga-se. Outra voz contra vem de Pinhel. António Ruas considera que a medida só irá «agravar a vida dos munícipes em termos de transporte e na celeridade dos processos», para além de contribuir para o «esvaziamento do concelho». No entanto, o edil diz-se confiante que a comarca não vai ser extinta: «O ministro da Justiça deve ter outras opiniões e estudos para decidir com bom senso, porque temos instalações e meios humanos em condições», sublinha.

Reforma avança este ano

António Costa já disse que a reforma judicial vai avançar este ano. Em Novembro último, de passagem pela Covilhã, o ministro não escondeu que estão a ser preparadas reformas significativas neste domínio, só que recusou falar delas. Mas sabe-se que a ideia passa pela fusão e encerramento de tribunais, com vista à racionalização dos recursos físicos, humanos e financeiros da Justiça. O que, na região, implicará também a extinção dos círculos judiciais de Castelo Branco, Covilhã, Seia e Guarda. No estudo efectuado, João Dias Borges aponta para a extinção ou agregação de 18 círculos judiciais e de 63 comarcas. Baseado em dados de 2003, o documento tem como critério o volume processual, tendo sido contabilizado o movimento de inquéritos realizados. Dos 58 círculos judiciais analisados, 20 não atingiram os cinco mil inquéritos e, em muitos casos, ficaram abaixo dos 3.500. O procurador recomenda igualmente mudanças significativas em 63 comarcas, apontando o desaparecimento ou agregação daquelas em que se registaram menos inquéritos. Entre essas estão Figueira de Castelo Rodrigo (143 inquéritos), Mêda (199) e Fornos de Algodres (168).

Luis Martins

Sobre o autor

Leave a Reply