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Raia viva

A extração de urânio é uma atividade de elevado risco, com forte impacto ambiental e na saúde pública.

A recente visita parlamentar portuguesa à província de Salamanca, aos territórios de Boada, Retortillo, Villavieja de Yeltes, muito perto da fronteira de Almeida e Figueira Castelo Rodrigo, veio evidenciar o risco latente para as populações raianas, para a economia e para o ambiente.

Nessa zona remota e despovoada do território espanhol decorrem, discretamente, desde 2013, estudos e trabalhos preparatórios para a extração de urânio a céu aberto, com lavagem de milhões de toneladas de terras e a eventual condução das águas utilizadas para a bacia hidrográfica do Douro, através do rio Yeltes.

O Douro é um ativo português de que depende o abastecimento público de centenas de milhares de pessoas e com dois patrimónios mundiais da UNESCO – o Douro Vinhateiro e as gravuras do Côa. Não aceitamos que este processo ocorra sem o envolvimento de Portugal. Acreditamos que o Governo espanhol não irá fugir às suas responsabilidades e negar-se à avaliação conjunta que um investimento desta natureza obriga.

A raia não é a porta dos fundos do país e muito menos uma terra de ninguém para o contrabando ambiental. A raia é uma região mítica, e um território limpo e lindo, planalto do carvalho negral, de uma monumentalidade grandiosa, com fortalezas e castelos, e as suas aldeias históricas.

A raia do Côa, das gravuras rupestres, do vinho do Porto, do vinho do Douro, do turismo internacional que se consolida. A raia do despovoamento e do espírito aventureiro, que, a salto, foi Europa antes do resto do país porque Portugal amordaçado teimava ficar “orgulhosamente só”.

A raia, fronteira de Vilar Formoso, que viu o seu crescimento travado e a sua economia arruinada qual dano colateral da nossa adesão comunitária.

A raia do interior que perde serviços, públicos e privados, simbolizados no recente encerramento da agência da CGD de Almeida, qual sinal político de que aquelas terras são para fechar ao futuro.

À raia só faltava mais esta: de Espanha, onde, às escondidas, se ia ganhar o pão, fintando a Guardia Civil e a Guarda Fiscal, vem agora uma ameaça silenciosa que põe fim à esperança legítima de um tempo novo.

Se Retortillo ainda fica a 40 quilómetros de Almeida, Alameda de Gardon está ali à vista de S. Pedro do Rio Seco, a terra natal de Eduardo Lourenço, esse enorme Cidadão do Mundo, Europeu pela Cultura, Raiano pelo coração.

Juntos fazemos por uma raia de Oportunidades.

Raia de Oportunidades quer dizer vizinhança consequente com Espanha, respeito pelos nossos valores.

A raia, elemento central de um território transfronteiriço de Salamanca a Coimbra, base da singularidade programática da pré-candidatura da Guarda a Capital Europeia da Cultura 2027.

Como escreveu, um dia, Eduardo Lourenço, em política, a dimensão simbólica é sempre essencial. Uma crise em termos políticos não o é, a não ser que exista a sua perceção pública.

O país como um todo deve exigir e defender para toda a Europa ouvir: Queremos a raia de Espanha verde, limpa e viva.

Por: Santinho Pacheco

* Deputado do PS na Assembleia da República eleito pelo círculo da Guarda

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