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“Quer enforcar-se já? Ligue que nós facilitamos”

Se a publicidade não fosse, a maior parte das vezes, enganosa, deveria ser este o “slogan” para as campanhas publicitárias das empresas de crédito fácil – “Quer enforcar-se já? Ligue que nós facilitamos”. Tendo como público-alvo donas de casa desesperadas, muitos incautos e muitíssimos mais ignorantes, estas empresas tratam de empurrar para o abismo milhares de famílias por esse país fora. Famílias, essas, que são constantemente bombardeadas com publicidade a automóveis, férias, computadores, e outros “consumíveis” e que dificilmente conseguem ler as pequeninas letras que passam em passo de corrida, em rodapé, nos anúncios. São alvos fáceis e rapidamente se endividam, recorrendo a créditos com taxas anuais efectivas globais muitas vezes superiores a 30%.

Notícias recentes referem números superiores a dois mil milhões de euros (quatrocentos milhões de contos) de crédito malparado, só neste ano. O que se está a passar? A resposta parece-me óbvia e as culpas repartem-se. Em primeiro lugar o facilitismo com que as entidades de crédito bancário e sucedâneos aprovaram e aprovam propostas de crédito a qualquer desgraçado. Em segundo lugar, o povo, que na sua ignorância, cai que nem um pato no canto da sereia dessas entidades. Em terceiro lugar, uma legislação permissiva no que aos anúncios nos media diz respeito. E, last but not least a subida imparável das taxas de juro.

À semelhança do que já acontece com o tabaco, aparecem em letras garrafais frases que não deixam qualquer dúvida a quem fuma, também nos anúncios relativos ao crédito de qualquer tipo deveriam aparecer frases de alerta que evitassem o sobre-endividamento das famílias. Assim, se em vez de frases demasiado técnicas e em letra pequena, as entidades fossem obrigadas a estampar frases do tipo. “Quer dinheiro já? Ligue, mas prepare-se para ser “roubado” em mais 30% do que o montante que vai pedir”ou ainda, “Emprestamos-lhe dinheiro, mas iremos buscar o seu carro, computador ou casa, se não cumprir e terá ainda grandes despesas com os tribunais”, talvez os incautos abrissem os olhos e não se metessem em alhadas financeiras.

Se o fumo do tabaco faz mal à saúde e mata a longo prazo e em consequência se proibiu, e bem, a publicidade a este produto, por maioria de razão também se deveria restringir seriamente a publicidade ao “dinheiro fácil”, porque também esta tem graves consequências sobre a saúde física e mental dos incautos e respectivas famílias que, por ignorância ou lavagem cerebral, se vêem num beco sem saída, levando provavelmente alguns ao suicídio, por não conseguirem cumprir um contrato que lhes foi, quase, imposto pelos media e um telefonema. Telefone, assine aqui e já está! Muitos desconhecem que, legalmente, existe um prazo de oito dias, para anulação unilateral de um contrato, efectuado nestas condições, exactamente porque se sabe que, em consequência da rapidez e facilidade com que se pode obter crédito ao consumo, muitas pessoas, na ânsia de possuírem o bem dos seus sonhos, nem lêem, com olhos de ler, as letras miúdas dos contratos, nem amadurecem bem o acto que vão praticar. A lei prevê, mas o povo desconhece.

Mas é no crédito à habitação que existem os maiores problemas, porque os montantes envolvidos e os prazos são muito maiores e também porque é uma necessidade básica possuirmos um tecto para nos abrigarmos. A grande pergunta que se deverá fazer é: Será que temos mesmo de comprar? Não deveremos antes arrendar? Este novo-riquismo em que todos caímos de sermos “proprietários”(as aspas são propositadas) de uma casa está a levar, muitos de nós ao abismo, condiciona-nos a uma cidade e retira-nos a possibilidade de irmos procurar emprego a outras. A ideia, actualmente errada, de que “vendo aqui para comprar além” é uma treta, pois, se a crise no mercado imobiliário é global, vou vender a quem? Um emigrante na Suiça, disse-me, há muitos anos que, lá (na civilização) poucos são proprietários das suas casas, lá as pessoas arrendam (até castelos). Por cá, como somos todos ricos e profissionalmente estabilizados, hipotecamos as nossas vidas a bancos e entidades de crédito ao consumo sem escrúpulos.

Por: José Carlos Lopes

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