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Quem é deficiente?

No fim da última semana, realizou-se no Porto o primeiro Fórum de Arquitectura Acessível, promovido pela Ordem dos Arquitectos Secção Regional Norte, visando principalmente o esclarecimento do novo Decreto-Lei 163/2006 de 8 de Agosto ou o Regime Geral de Acessibilidades. Este novo decreto visa contornar o perigo de incumprimento e possíveis escusas que o anterior Decreto-Lei 123/97 não conseguiu colmatar.

Nestes três dias houve uma ideia base que se discutiu: Quem é que é deficiente o ser humano, ou o meio que ele construiu?

Agora, proponho que cada um dos leitores reflicta sobre cada uma das premissas que vou apresentar:

– Será que o “deficiente” é apenas aquele que terá de utilizar uma cadeira de rodas toda a vida ou também será qualquer um que temporariamente poderá necessitar dela?

– Será que “deficiente” é aquele que para perceber o mundo que o rodeia tem de o tactear e ouvir? Ou aquele que tem de usar um par de óculos porque as letras já aparecem turvas?

– Será que quando uma mulher está grávida também é temporariamente “deficiente”, já que não consegue realizar determinadas tarefas?

– Será que uma criança ao não conseguir chegar a um lavatório também é “deficiente”? Ou será uma falha do equipamento?

– Será que ao entrarmos num edifico público e não nos conseguirmos orientar somos menos “deficientes” que um surdo ao tentar perceber a existência de vibrações sonoras?

– Será que com o avançar da idade e consecutiva progressão de doenças degenerativas como Alzeimer, Parkinson ou Esclerose Múltipla, deixamos de ser capazes e passamos a ser todos “deficientes”?

Questione-se agora: Quem é que é deficiente?

Para mim somos todos, uns de uma forma mais visível que outros, mas todos nós temos falhas, mais ou menos permanentes ou mais ou menos evolutivas.

Agora proponho outra reflexão: E o ambiente que o rodeia?

– Será que em sua casa poderia receber um amigo em cadeira de rodas? Passava do hall da sua casa? Poderia ir à casa de banho, ou teria de ser uma visita muito curta?

– Será que conseguiria passear pela nossa cidade em cadeira de rodas e entrar em todos os edifícios públicos, cafés, restaurantes se assim o desejasse?

– Será que conseguiria percorrer toda a cidade às escuras e não se perder?

– Será que saberia viver no silêncio e reconhecer a paragem de autocarro, em que teria de sair, sem um “letring”” a auxiliar?

Caro leitor, creio que a sua resposta seria tão clara como a minha – seria difícil senão mesmo impossível. Mas tal como nós, estas pessoas existem e têm os mesmos direitos a usufruir da rua, dos jardins, dos edifícios, dos espectáculos, de tudo o que as rodeia e não apenas de pequenos fragmentos sem ligações.

Proponho ainda uma última reflexão: Onde estão essas pessoas com necessidades especiais? Em que parte da nossa cidade elas vivem, trabalham, passeiam? Alguém as vê?

O “Não existem! Pois não se vêm.” é uma falsidade que alimenta a nossa consciência.

Esta resposta verdadeira é a mais simples de todas. Não as vemos porque não podem sair. Porque o espaço que as rodeia não foi concebido para “anormalidades” mas sim para proporções perfeitas, com um sentido de orientação fora do comum para as quais não existem barreiras.

Então quem é o deficiente? O homem ou o ambiente que o rodeia?

Que cidade queremos nós construir?

Que população queremos que a habite?

Que futuro teremos?

Será que vale a pena manter esta atitude fria e insensível para com o próximo? Ou será que deveríamos repensá-la e agir/criar/construir em conformidade com a diversidade humana e o seu tempo de vida?

Por: Carla Madeira

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