1. A provável ruína dos Espirito Santo é assustadora. Não porque alguém tenha uma especial simpatia pela família referência do capitalismo português, mas pelas consequências para as contas públicas portuguesas e pelos prejuízos e respetivas consequências em muitos investidores e empresas.
A queda de Ricardo Salgado, que se tinha a si próprio acima de tudo e de todos, que terá inclusive chegado a participar numa reunião do conselho de ministros, cujo posicionamento era decisivo para as grandes decisões do Estado, que tinha poder e influência, é surpreendente, mas evidencia a fragilidade da riqueza nestes tempos de tempestades e ventos fortes.
Quem diria? A família que na Comporta se dava ao luxo de brincar aos pobrezinhos, sem ter sequer a mais remota consciência do que é a pobreza, está à beira da tentação, não de ser pobre, com certeza, mas de ficar bem mais próximo daquilo que era apenas uma fantasia: ser uma família “arruinada”! O mundo em que os Espirito Santo se mexem é um mundo exclusivo e distante para o comum dos mortais, mas é afinal um mundo onda a frugalidade cai por terra quando o terramoto irrompe com uma rapidez inaudita e a lava se espalha por toda uma pirâmide em círculos fechados de negócios incompreensíveis e habilidosos.
A espiral de negócios do grupo, que se pensava sólido e blindado, poderá arrastar tudo, todos, e destruir o esforço e os sacrifícios de um país. Mas, para além dos destroços com que todos poderemos ser atingidos – e seremos – exige-se completa clarificação do que sucedeu. E responsabilização: a culpa não pode morrer solteira.
2. A Guiné Equatorial passou a ser o nono membro efetivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) a partir desta quarta-feira. Desta forma, passou a partilhar os princípios vinculativos da CPLP, incluindo o respeito pelos direitos humanos e pela justiça social.
Depois de vetada a sua entrada na CPLP em 2010, a Guiné Equatorial vê agora, pela primeira vez desde que Obiang se transformou num déspota, acusado inclusivamente de canibalismo, a comunidade internacional reconhecer o regime ao ser aceite pela aliança de língua portuguesa. É estranho que os valores e princípios que, supostamente dominavam a CPLP sejam vilipendiados em nome de um suposto interesse estratégico, económico (energético) e financeiro (ganhos a obter) de uma comunidade lusófona, mas cada vez menos lusa – é o Brasil e Angola quem mandam e definem o que interessa à CPLP. Os guineenses da Guiné Equatorial têm como primeiro idioma o espanhol, como segunda língua o francês e Obiang promete à comunidade que vai ensinar português nas escolas. Mas a verdade é que os jovens nem sequer têm como ir à escola, num estado rico em que o povo é muito pobre e não tem direitos nem liberdades. Um regime que, em Díli, foi abençoado pela Comunidade do Países de Língua Portuguesa. Um regime que tem o seu povo sequestrado e que tem agora o apoio de Portugal a troco não se sabe bem de quê (o dinheiro para o Banif?). O regime de Teodoro Obiang conseguiu de forma notável, por uns míseros tostões, o reconhecimento internacional que lhe era negado há anos. É triste ver que Portugal se dobrou perante a barbárie; é surpreendente que tão poucos em Portugal se pronunciem contra a absurda decisão de votar favoravelmente a entrada daquele estado africano na CPLP. Afinal que valores norteiam a comunidade lusófona?
Luis Baptista-Martins