Arquivo

Que políticas culturais para a Guarda?

Letra A

A cultura é normalmente invocada como um lugar onde se nivelam e apagam as tensões e os desequilíbrios éticos e sociais. Nada mais falso! As culturas são expressões de permanente tensão entre as várias representações que vários grupos fazem de si e do outro. A sua expressão pública não é pacífica nem ingénua. O acidental e a imprevisibilidade do resultado são o modo normal de manifestação da cultura, o que os políticos parecem esquecer.

O modo como os poderes públicos intervêm na produção, dinamização e divulgação de actividades culturais, traduzido num investimento significativo, na criação de públicos e num discreto mas eficaz papel regulamentador, ultrapassa em muito o costumeiro debate contabilístico.

Mas a sua acção não se esgota aí. Uma política cultural digna desse nome resulta de uma permanente concertação: entre poderes locais e centrais, entre o tecido económico e os agentes culturais, entre certa concepção urbanística e os espaços de fruição cultural que a integram, entre a obra criada e seus criadores, de modo a que a cultura seja o verdadeiro motor da construção identitária de uma cidade, ou uma região.

Na Guarda, temos o melhor e o pior. Por um lado, o TMG tem assegurado uma programação diversificada e de qualidade. É evidente que as opções seguidas são nalguns casos discutíveis. Mas é precisamente nessa discussão que se deveria centrar o debate e não na oportunidade ou existência do TMG. Espera-se também que a nova Biblioteca Municipal cumpra os seus objectivos e dignifique a cidade.

Mas, por outro lado, a Câmara tem praticado uma gestão errática, sem objectivos, má utilização dos meios existentes, desinvestimento nos criadores e colectividades locais. Senão vejamos: o que fazem e para que servem entidades como o NAC e a Mediateca neste momento? Como será possível um grupo como o Aquilo (um exemplo que conheço bem) desenvolver o seu plano de actividades anual, quando, em Outubro, só 1/3 do apoio financeiro da autarquia foi recebido? Porque não se encara a Culturguarda como uma entidade gestora de espaços culturais municipais e produtora de serviços, sendo essa a sua atribuição estatutária? Onde está um gabinete de apoio logístico e técnico às colectividades? Onde está inscrito, orçamental e politicamente, um compromisso de intervenção social no domínio da cultura, ou um plano estratégico de criação de públicos, por exemplo? Porque será tão pouco surpreendente a completa ausência de uma discussão séria e informada deste tema na agenda dos candidatos em presença aos órgãos autárquicos? Aceitam-se apostas.

Por: António Godinho

Sobre o autor

Leave a Reply