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Que cidadania?

A Cidadania é hoje uma expressão na moda e de uso obrigatório em todas as correntes de pensamento, que devendo ser entendida num determinado contexto social, pode adquirir características próprias, tornando-a mutável conforme o tempo, o lugar, e sobretudo as condições socio-económicas existentes.

A cidadania será sempre susceptível de focagens históricas, sociológicas e jurídicas, que nos remetem para a própria ideia de política e para as suas dimensões normativas, ou seja, para “o tipo de sociedade e comunidade política que queremos”. Além de uma herança, ela é um ideal, um horizonte de possibilidades e de futuro – daí que seja, antes de mais, uma ideia polémica, capaz de gerar importantes controvérsias.

Constituindo-se como um dos fundamentos mais marcantes dos modernos Estados Democráticos e o princípio orientador que tem inspirado as políticas sociais. A cidadania é hoje, uma ferramenta politicamente útil, podendo assim por vezes ser abusivamente e perigosamente usada.

Fala-se de “uma nova cidadania” e surge a necessidade de a “reinventar”, proclamando-se o “regresso do cidadão” pró activo e incentivando-se a participação da sociedade civil, que infelizmente vive nos nossos dias um presente mais sectário e menos humanizado.

No novo quadro de uma economia capitalista globalizada, em que o estado nacional perde autonomia, o mercado é o preferido. Colocando em primeiro lugar os números mágicos da economia e deixando para segundo plano as políticas necessárias para resolver os problemas sociais. Dá assim prioridade aos resultados económicos e coloca em segundo plano as pessoas, o que vem colocar sérios desafios à relação entre as políticas de bem-estar e o estatuto de cidadania.

E vivendo nós numa sociedade em que a população em risco é cada vez mais constituída por pessoas idosas, minorias ou comunidades de diferentes pátrias e de difícil integração, leva-me a pensar que existe uma natural e progressiva ameaça à solidariedade social. Pois o conceito de cidadania, tal como o conhecemos nas democracias ocidentais e da forma que o vemos modelado nas políticas sociais, centra-se demasiado num perfil de cidadão economicamente activo e responsável. Porém, como todos sabemos a população actualmente mais carecida de protecção raramente corresponde a este perfil.

È verdade que as sociedades modernas, talvez fruto das preocupações de algumas consciências buscam soluções. E aqui, aponto como um bom exemplo a Agenda 21, que no meu entender, é por excelência um meio e um fim de cidadania com o objectivo maior do desejável Desenvolvimento Sustentável.

Mas perguntemos ao cidadão comum, do que se trata. Sendo ele e todos os outros como ele o capital humano necessário às mudanças, talvez não saiba do que falamos.

Que fazem então os líderes políticos locais e organizacionais para os incentivar a participar? Muito, pouco ou quase nada?

Como é então constituído o nosso capital social? Como interagimos? Como nos organizamos? O que temos realmente em comum? Que futuro sonhamos?

Por tudo isto, urge repensar o conceito e os instrumentos de intervenção em que a cidadania se corporiza. Com o planeta em risco e em sociedades em que os factores geradores de desigualdades persistem e parecem mesmo estarem a agravar-se, o princípio da cidadania não pode ser dispensado. E terá de ser obrigatoriamente valorizado por todos nós. No incentivo da formação e com um sentido de comunidade e de partilha. Aplaudindo o que está bem e é justo e demonstrando insatisfação perante o que está mal ou é injusto, vivenciando a vontade de poder servir e de contribuir para tudo melhorar.

A cidadania deverá ser vivida por todos nós com o animo e a coragem com que fazemos as coisas, pensando fazendo e fazendo pensando, com o intuito de agir bem, na plena consciência dos deveres e dos direitos que a todos assistem.

A cidadania, deverá assim ser entendida como uma prática do dia-a-dia, uma responsabilidade perante nós, perante os outros e perante o mundo, alicerce do bem-estar colectivo como um múltiplo somatório do bem-estar individual, fonte impulsionadora de participação e geradora de vontades solidárias.

Por: Joaquim Nércio *

* Enfermeiro, inicia colaboração mensal.

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