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«Quando se segue pela rua de Alá, não se volta para trás»

Na Covilhã, uma família de muçulmanos vive o Ramadão, o período mais importante do Islamismo

«O Ramadão, para nós, é como a Páscoa para os católicos, em que, na sexta-feira santa não comem carne. Fazem esse sacrifício para Deus. Nós fazemos isto durante um mês também como forma de sacrifício perante Deus, o nosso Alá. Serve para perceber como é que os pobres vivem sem nada para comer». Há 14 anos em Portugal e há 10 na Covilhã, Jahangir Alam é o patriarca de uma família de muçulmanos radicada na cidade, que vive o período mais importante para quem se guia pelo Alcorão, o livro sagrado dos muçulmanos.

Desde o dia 11 deste mês e até ao próximo dia 8 de Setembro, Jahangir já sabe que não vai ingerir qualquer alimento, beber, fumar ou ter relações sexuais, até o sol se pôr. Reza seis vezes por dia, mais uma que o habitual. É esta a “lei” do Alcorão. Trata-se do nono mês do calendário islâmico, durante o qual os muçulmanos praticam o seu ritual de jejum. É variável, sendo que no ano seguinte se começa sempre a celebrar 15 dias antes do anterior. Para o comerciante, natural do Bangladesh, o Ramadão já é algo «natural», apesar de «custar sempre um pouco nos três primeiros dias». E acredita que «esta religião é muito forte», por isso, quem segue o Alcorão, respeita-o até ao fim. «Quando se segue pela rua de Alá, não se volta para trás», diz. A saúde física e espiritual é outra das «vantagens» desta prática. «Para mim o Ramadão ajuda-me a ser melhor como pessoa e pode ser bom para as pessoas acabarem com os vícios do álcool e do tabaco, porque se desabituam». Quanto à conjugação com o trabalho, explica que durante este mês «trabalha-se mais calmamente». Relativamente aos hábitos que a religião impõe, revela que não tem sido «qualquer tipo de descriminação».

Aliás, a mulher, Taslima Khatun, destaca algo curioso: «Quando vai ao café, deixam-no ler o jornal sem consumir nada, porque já sabem que faz parte da religião». Sobre o ritual, explica que a família se alimenta por volta das 20h30 e 4h30 da manhã, sendo que em cada dia comem dois minutos mais cedo que no dia anterior. Como mulher, diz que «cumpriu sempre o Ramadão, mesmo grávida», porque «as mulheres só não cumprem se tiverem algum problema de saúde ou quando estão a amamentar», refere. No caso dos mais velhos, também não o fazem «se a saúde não permitir». Neste caso, «durante este mês dão comida a um pobre», explica. Mãe de dois filhos, vê com naturalidade a “passagem de testemunho” da prática, que começa obrigatoriamente aos 15 anos.

«Quando crescer, à noite como muito e depois de manhã já não tenho fome»

Desde os oito meses na Covilhã, Mahira Muhsarrat é a filha mais velha do casal, com oito anos. Quando pensa no significado do Ramadão, sai-lhe uma frase da boca: «Durante este mês os meus pais não comem nada e ficam cansados», conta entre um sorriso. Apesar dos seus 8 anos, Mahira diz que tem «treinado» o jejum, o que não é tarefa fácil: «No primeiro dia aguentei até às três horas, mas depois já não aguentei mais», confessa. Quando pensa no futuro, afirma que pretende “quebrar as regras” e começar o Ramadão um pouco mais cedo. «Começo aos onze», afirma sem hesitar. Apesar de ter noção que não é fácil, Mahira diz já ter encontrado a solução: «Quando crescer, à noite como muito e depois de manhã já não tenho fome». E promete não ceder à tentação das bolachas: «Não, não chego à prateleira onde elas estão! Quando tiver idade para o Ramadão já lá chego, mas já lá não estão as bolachas». Mahira tem ainda outro atractivo para cumprir este ritual: o seu fim. «Quando o Ramadão acaba, as crianças vão com os pais a comprarem tudo o que quiserem. Essa é a melhor parte», revela com entusiasmo. Refere-se à cerimónia do Eid-Uhl-Fitar (“o banquete do término do jejum”), em que as famílias se reúnem à volta da mesa, oferecem-se e vestem-se roupas novas e celebra-se, tal como acontece com o Natal dos católicos.

Mais reservado, o benjamim da família começa por dizer que quando chegar a sua vez «vai tentar» enfrentar o jejum. Minutos depois retoma a ideia, desta feita com mais convicção: «Depois já sou adulto e habituo-me», diz. Com 6 anos, Nihad Nadil – que nasceu já na Covilhã – recorda os tempos de pré-primária e a curiosidade com que se deparava: «Quando estava no infantário a professora pediu-me para fazer um desenho para tentar explicar o Ramadão, mas eu não consegui», admite. Agora na segunda classe, revela: «Não me fazem perguntas sobre a minha religião. Na escola, a professora só me faz perguntas de Matemática para eu ir ao quadro».

Rafael Mangana Jahangir e Taslima vivem do comércio e transmitem o Alcorão aos filhos

«Quando se segue pela rua de Alá, não se
        volta para trás»

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