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Protestar, antes que seja tarde

Editorial

1. Os autarcas de Celorico da Beira tiveram a singularidade de promover uma manifestação popular contra o fecho de serviços públicos no interior. Centenas de pessoas acompanharam os autarcas pelas ruas da vila e, enquanto entoavam a “Grândola, vila morena”, criticaram o Governo por ameaçar o interior com mais um fecho de serviços, agora o das repartições de Finanças.

Quando há 12 anos fecharam as primeiras escolas primárias, as que tinham menos de quatro alunos, a todos pareceu razoável. Mas se essa decisão parecia a correta em termos económicos e pedagógicos, a sequência seria uma enormidade de encerramentos de todo o ensino no meio rural, do desaparecimento das escolas das aldeias e do emergir de centros escolares que não melhoraram a qualidade do ensino e a sociabilização das crianças. O interior ficou quase sem escolas. Depois foram os serviços de saúde. Começaram por fechar à noite e, aos poucos, os SAP das vilas foram sucumbindo aos números e à desertificação. Pelo meio, o Estado foi promovendo o encerramento de tudo o que as populações necessitam mas que sai caro ao erário público. Fecharam os CTT, as estações de caminho de ferro, as juntas de freguesia, etc. E o Governo quer fechar tribunais, repartições de Finanças e tudo o que ainda estiver a funcionar no interior.

É necessário sair à rua, como em Celorico, e defender esta inversão de políticas que canalizam todo o investimento público e serviços para os grandes centros. O país está cada vez mais inclinado para o litoral, numa realidade que vai muito para além da crise e tem a ver com uma desestruturação efetiva do território, que temos de combater. A ditadura da demografia impõe que as opções políticas corroborem a maior despesa pública onde há mais eleitores, mas é preciso unir vozes e reclamar pela defesa do desenvolvimento dos concelhos do interior. A manutenção das repartições de Finanças deve ser um referencial nessa luta pelo futuro da região. Os deputados da Nação, que se sentam nas cadeiras da Assembleia da República esquecendo os distritos por onde foram eleitos em nome de uma patética disciplina partidária de forma acéfala e obtusa, devem pedir a palavra e manifestar discordância pelo estado a que o interior chegou – ou então não estão lá a fazer nada. E a população deve sair à rua, como em Celorico, para cantar que o «povo é quem mais ordena», por uma terra de fraternidade, como nos ensinou Zeca Afonso. De que serviram os encerramentos se o país está mais pobre e endividado? E, que país estamos a construir com todos os encerramentos a serem feitos onde é mais necessário investir? E para que serve impor sacrifícios e austeridade se afinal o país da solidariedade morreu e cada vez há menos solidariedade para quem ficou para trás, isolado e distante do desenvolvimento?

2. Esperada com enorme expetativa, a tomada de posse de Álvaro Amaro como presidente da Câmara Municipal da Guarda confirmou que o novo presidente «sabe ao que vem» e não vai deixar créditos por mãos alheias. No discurso inaugural assumiu a mudança como opção programática, muito para além do desígnio ou vontade, definindo linhas de rumo e afirmando um novo estilo de intervir, um novo posicionamento da cidade e a defesa de uma nova postura enquanto autarquia capital de distrito que quer liderar a região, sem os complexos habituais nos anteriores executivos. Com o diagnóstico realizado, quer mais e melhor produção numa autarquia com trabalhadores a mais e resultados a menos, onde durante dezenas de anos se contrataram os amigos, os afilhados, os primos e os do partido. Onde o mérito nunca foi a primeira opção para as escolhas; onde o servilismo, o amiguismo, a cor do cartão foi sempre determinante para as promoções; onde os melhores foram muitas vezes empurrados para fora; onde quase sempre o medo e a dependência calaram as injustiças… Nasce um novo tempo. Um tempo em que uma nova geração chega ao poder, com outra mundividência e outra perspetiva do meio, uma equipa que inicialmente (comentámos aqui) tinha como principal debilidade a inexperiência política e falta de créditos para ganhar umas eleições, mas que afinal as ganhou e tem preparação e horizontes muito mais largos que qualquer dos executivos anteriores da Guarda. Depois de anos de mediocridade, a Guarda tem um caminho difícil a percorrer, mas há timoneiros novos para darem um novo alento a tão difícil empreitada. Como disse Chico Buarque, «as pessoas têm medo das mudanças. Eu tenho medo que as coisas nunca mudem».

Luis Baptista-Martins

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