1. O desmantelamento dos contratos de associação com o ensino privado é o sinal mais óbvio de um retrocesso nas políticas educativas, baseadas em consensos entre o PSD e o PS, ao longo dos últimos 20 anos. Que levaram à fixação de um modelo público misto, com alguma abertura à municipalização. Todavia colocado em risco perante a opção actual por um modelo centralista. Nesta matéria, a solução praticada na Suécia, defendida e implementada quer pela esquerda, quer pela direita moderadas, é a definição de um custo unitário por aluno. Com base nesse valor, é fornecido anualmente aos pais um cheque-ensino. Se optarem pelo ensino privado, que terá que obedecer aos mesmos parâmetros do ensino público, a eventual diferença nos custos associados será suportada pelos interessados. Desta forma se assegura a liberdade de escolha das famílias, sem prejuízo da qualidade do ensino. Ficando o Estado num papel de garante da transparência e da sã concorrência, através de um extenso programa de contratualização.
2. Passamos o tempo a vestir a verdade com roupas contrafeitas, muitas vezes em segunda mão. É o preço da sobrevivência, dirão alguns. Assim dá-se a ganhar nas feiras, e mercados, dirão os mais cínicos. A verdade é a prima dona do espectáculo: todos a veneram, mas ninguém ousa ir para a cama com ela, dirão os mais bem dispostos. A verdade tornaria o compromisso impossível, diriam os realistas. Ou, mutatis mutandis, o jogo, diriam os mais sofisticados. Eu digo, a verdade é assustadora, mas terrivelmente doce. Não sei se vale a pena morrer por ela, mas talvez valha a pena viver.
3. «Curiosamente insignificante», disse Von Papen sobre Hitler, após este ter sido nomeado Chanceler, em 1933, confiando que o bom senso e o peso dos junkers (elementos da aristocracia latifundiária prussiana) e dos barões da indústria pudessem refrear o programa nazi. O colossal equívoco parece-nos hoje evidente. Mas na altura não o era de todo. É que, nesse momento privilegiado da História, encontraram-se, face a face, dois tempos diferentes. De um lado, o passado do Estado nação, de pendor institucional e vocação imperialista, com maior ou menor tradição parlamentar, baseado no compromisso e na legalidade e com uma oligarquia financeira e industrial solidamente no comando da situação. Do outro, o totalitarismo emergente, corporizado por massas alienadas e líderes implacáveis, desafiadores e alheios ao compromisso. Duas placas tectónicas em contacto. E um terramoto no horizonte.
4. A linguagem é uma força poderosa e fascinante. Há palavras esquecidas bem no fundo dos dicionários e que, de repente, ganham foros de cidadania, sem se saber muito bem porquê. E da mesma forma, retornam um dia ao seu jazigo taxonómico. Um exemplo. Nos tempos que correm, quem estiver atento aos media, dará conta do uso abundante do termo “impactante”. No dicionário, é definido como «algo que causa impacto». Como se vê, o leque semântico desta palavra é extremamente curto. No entanto, é utilizada para um sem número de fins, que exorbitam o seu sentido original. Explicações para o “mistério” : no caso dos pivots e locutores, a fonética sugestiva; simples mimetismo; ilusão de estar actualizado… É possível. Mas há uma outra explicação, quiçá de carácter inconspícuo. É a crença no poder oculto da linguagem. A busca das palavras como instrumentos para a revelação do sagrado.
5. A batalha do desfiladeiro das Termópilas já durava há três dias sangrentos. Até aí, a valorosa falange espartana dos 300 tinha repelido, com êxito, os sucessivos ataques do gigantesco exército persa. Porém, depois de cercados, limitavam se agora a resistir, como podiam, às investidas das poderosas formações às ordens de Xerxes. O futuro da Grécia dependia deste punhado de guerreiros. Era Agosto. O calor, juntamente com o ardor da batalha, deveria tornar o ar irrespirável. A certa altura, milhares de arqueiros persas começaram a disparar as suas setas. Conta-se que o seu número era tal que o sol deixou de ser visto. Do lado dos gregos, prestes a serem aniquilados pela chuva de setas, conta-se também que alguém terá dito qualquer coisa como: «ainda bem, porque assim vamos lutar à sombra!»…
6. O forte olha para a sua vulnerabilidade como uma inspiração e para a dos outros como um mistério. O fraco olha para a sua vulnerabilidade como uma ameaça e para dos outros como um ultraje.
Por: António Godinho Gil
* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia