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Pouca ETAR vs Grande indústria

Chegou-me à mão uma auditoria técnica à ETAR de S. Miguel requerida pela Águas de Zêzere e Côa (AdZC) e elaborada pela DHV, uma empresa particular, uma vez que existe a intenção, por parte da Câmara da Guarda e/ou da AdZC, de encaminhar os efluentes de uma indústria de lavagem de lãs situada na zona da Gata para a ETAR de S. Miguel. A razão subjacente a esta intenção prende-se com o facto de a Estação de Pré-tratamento de Águas Residuais (EPTAR) desta unidade industrial estar a lançar no rio Diz, a jusante da ETAR de S. Miguel, efluentes que não cumprem as normas ambientais e, portanto, necessitam de ser tratados convenientemente numa ETAR.

O estudo refere que «a indústria de lavagem de lã apresenta um efluente com cargas orgânicas bastante elevadas, pelo que impõe-se a verificação da viabilidade de receção do mesmo na ETAR de S. Miguel, sem colocar em causa os objetivos de qualidade»(sic). Este estudo, inacabado, teve em consideração várias premissas, uma das quais me deixou de pé atrás: O valor referido para o caudal máximo diário, pelo industrial, foi de 528 mil litros (528 m3) e foi este o valor tido em conta para a análise da “folga” que a ETAR de S. Miguel ainda tem. Para termos uma ideia, a instalação tem uma capacidade máxima diária de tratamento de 7 milhões e 40 mil de litros (7.040 m3). A média mensal anda pelos 4.641 m3 (dados de 2010), no entanto, da análise dos dados verifica-se o seguinte: propositadamente, ou não, não foram feitas análises aos caudais em nenhum dia de Janeiro, Novembro e Dezembro (meses chuvosos) e os caudais de Fevereiro (7.503 m3) e Março (6.435 m3) revelam valores preocupantemente próximos ou mesmo uma ultrapassagem da capacidade máxima diária instalada, os tais 7.040 m3.

Note-se que as datas para as análises são sempre feitas num dia da segunda quinzena de cada mês. Por outro lado é sabido que muitas habitações continuam a canalizar águas pluviais nos efluentes domésticos, contribuindo para um aumento considerável dos caudais afluentes à ETAR. Parece-me importante que as preocupações com a qualidade dos efluentes seja anual e não sazonal. Por outro lado, a média mensal de 4.641 m3 permite cobrir as “overdoses” dos meses chuvosos de Inverno, nos quais a ETAR de S. Miguel terá grande dificuldade em aguentar a sobrecarga resultante dos efluentes da fábrica da Gata. A referida auditoria efetuou simulações várias, repito, tendo em conta o valor máximo de 528 m3 da dita indústria, e da análise dos resultados da «simulação da situação nominal, com co-tratamento do efluente industrial, verifica-se a possibilidade de cumprimento dos novos objetivos de qualidade, salientando-se que será necessário aumentar a capacidade de oxigenação em 25% (…) utilizando os quatro compressores existentes» (sic). Pois, se o valor máximo for o referido pelo industrial, e se for o dobro ou o triplo? E nos meses chuvosos? Quem nos garante que a dita indústria não vai duplicar ou triplicar a quantidade de efluentes depois de ligada à ETAR? E aí, quem vai valer à já sobrecarregada instalação?

Como dizem os “bifes”, “let´s cut the crap”, sejamos factuais. Se as análises à qualidade dos efluentes da ETAR, aparentemente, nem sempre são feitas, como vamos querer que estas sejam feitas com regularidade a uma indústria particular para se poder perceber os teores dos respetivos efluentes? Quem nos garante que os caudais máximos vão ser os referidos? Quem nos garante a qualidade do pré-tratamento dos afluentes da fábrica à nossa ETAR? E o mau cheiro e aspeto turvo do rio Diz a jusante da ETAR? Nos dias chuvosos duvido que os tempos necessários aos tratamentos primário e secundário possam ser mantidos por forma a que seja feito um tratamento eficiente. Então o que fazer? A Junta de S. Miguel já pediu, à Câmara e à AdZC, que a referida ligação se fizesse à ETAR da Plataforma Logística, tornando-a útil e evitando a sobrecarga da ETAR de S. Miguel, pedidos esses que sempre foram negados e as decisões finais remetidas para esta auditoria. Parece-me que está na hora de acabar com as teimosias e definitivamente abandonar esta ideia peregrina de construir um emissário com alguns quilómetros ligando as duas unidades sem que esteja garantida doze meses por ano a qualidade mínima das águas que abandonam a ETAR de S. Miguel. Esta unidade serve a zona da cidade em maior expansão e, com a projetada sobrecarga, dentro de muito pouco tempo atingirá, se é que não aconteceu já, o ponto de rutura a partir do qual o “by-pass” de parte dos afluentes à unidade terá que passar a ser uma regra e não uma exceção, como me parece que já deve acontecer de vez em quando, aí a chuva que tudo dilui, diluirá as culpas por uma péssima decisão que prejudicará, ainda mais, o Ambiente. O que a Câmara pretende fazer é meter o Rossio na Rua da Betesga. Depois não digam que não avisámos.

Por: José Carlos Lopes

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