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Portugal desnatado

Extremo Acidental

Agora que a santíssima trindade do FMI, BCE e CE se vai embora de acordo com a profecia de Jorge Jesus – “limpinho, limpinho, limpinho” – e que Portugal volta a ser um país soberano onde ninguém determina as nossas escolhas, é hora de regressar ao debate dos temas fundamentais da nossa existência. Na esteira de intelectuais como Teixeira de Pascoaes, Eduardo Lourenço e José Gil, devemos aproveitar o momento da partida dos mandantes estrangeiros para nos concentrarmos na essência da portugalidade.

Um tema que tem sido ofuscado pela crise e pela economia – num mundo em que até os liberais são marxistas e acreditam que “tudo é economia” – é a divisão civilizacional entre manteiga e margarina. Num mundo perfeito para mim, onde só existissem computadores Mac, todos os refrigerantes fossem Coca-Cola e o Sporting fosse sempre campeão – e onde a Scarlett Johansson não tirasse a roupa apenas em filmes sombrios – só existiria manteiga feita de leite dos Açores. Margarina nem se fabricava e o azeite era mal empregue por estragar azeitonas. Já sei que as batas brancas do colesterol vão protestar em nome das minhas coronárias e citar Fernando Pessoa, que escreveu que a civilização consiste em trocar o natural pelo artificial, mas a manteiga das ilhas dá-me mais alegrias do que o doutor Francisco George.

No mês passado, a prestigiada revista New York Review of Butters – apesar da relação popularizada por “O Último Tango em Paris”, não confundir com a New York Review of Butts, de que se fará oportunamente aprofundada recensão crítica – escrevia que “o conceito predominante na Loreto é a distinção entre criação e destruição. A análise de Lacan à textura neo-estruturalista das natas mostra que a sua narratividade numa torrada é a prova definitiva da falta de significação do pós-modernismo da Becel.” Não esqueçamos o sentido da poesia de Álvaro de Campos na voz de Camané: “Ai margarina / Se eu te desse a minha vida”.

Por Nuno Amaral Jerónimo

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