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«Porque é que o João tem olhos verdes e os meus são castanhos?»

O complexo mundo da Filosofia apresentado às crianças de 5 anos no jardim-de-infância do Colégio das Freiras, na Covilhã

Sentados em círculo, no chão, uma professora de Filosofia, um fantoche e mais de uma dezena de crianças embarcam numa viagem chamada Filosofia. A ideia de levar a ciência do conhecimento a crianças de 5 anos partiu de três professoras do ensino secundário, através da aposta num projecto concretizado numa parceria com a Associação Portuguesa de Aconselhamento Ético e Filosófico (APAEF).

O programa, que aos olhos de alguns poderá parecer um pouco excêntrico, consiste na introdução da Filosofia em três jardins-de-infância da região, dois em Castelo Branco e um na Covilhã, na Escola Paternato Nossa Senhora da Conceição (Colégio das Freiras ). Depois da elaboração de vários estudos teóricos, Ana Monteiro, Ana Domingos e Carla Silva iniciaram, no mês passado, a segunda fase do projecto, que consiste na sua implementação no terreno. O objectivo será estender esta experiência a nível nacional. Para isso, as conclusões deste estudo serão apresentadas a 8 de Maio, na Universidade da Beira Interior (UBI), coincidindo a data com a realização, na UBI, de uma conferência internacional sobre a Filosofia para crianças. O projecto também vai ser apresentado ao Ministério da Educação, de modo a que possam ser criados currículos de Filosofia «que abracem todas as idades e níveis de ensino», explica Ana Monteiro, uma das mentoras da ideia e que ambicionava há cerca de 13 anos – tantos quantos tem de ensino – levar a bom porto um programa desta índole. É que os alunos do 10.º ano, aquando do primeiro contacto com a disciplina, raramente reúnem «faculdades como a capacidade de interpretação, de análise e de espírito crítico», sustenta.

Porém, e como se trata da faixa etária dos 5 anos, a implementação do projecto não foi tarefa fácil. A primeira dificuldade prendeu-se, desde logo, com o perfil corrente do filósofo, que é visto «como um pensador solitário, acima da superficialidade». Já a filosofia é vulgarmente entendida como algo de «inatingível», garante a professora. Por outro lado, a ideia «partilhada por inúmeros teóricos», de que só a partir dos 10, 11 anos é que a criança consegue lidar ao nível do abstracto e do conceptual, tornou-se noutro «dogma» a ultrapassar. No entanto, e depois de analisarem inúmeros projectos similares no estrangeiro, as professoras concluíram que esta poderá mesmo ser a faixa etária mais adequada para a iniciação. «É nesta altura que as crianças se lançam no questionamento constante e sentem necessidade de dominar o seu próprio mundo», garantem. E é aqui que a Filosofia encontra o seu lugar no universo dos mais pequenos. «Queremos introduzir junto da criança a necessidade de saber pensar por si própria, questionar a realidade, criar uma visão pessoal do mundo e desenvolver o pensamento crítico». Isto, porque Ana Monteiro acredita que as respostas às dúvidas naturais das crianças são satisfeitas, por norma, «de forma quase doutrinária».

Assim, e durante 30 minutos semanais – nem sempre fáceis, porque se trata de uma idade «irrequieta a todos os níveis» – os mais pequeninos são iniciados no complexo universo da Filosofia. «Falamos sobretudo de valores como a responsabilidade, a tolerância e a autonomia e eu nunca dou as respostas para os deixar sempre tirar as suas próprias conclusões», adianta a professora. E quando as respostas tardam em chegar, entra em cena o fantoche Tomás, sempre pronto a dar uma ajudinha para responder às questões mais difíceis, como «Porque é que o João tem olhos verdes e os meus são castanhos?».

Rosa Ramos

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