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Por vezes, o que parece é

Editorial

1. A “contratação” de Francisco Lacerda Machado emergiu de surpresa nos últimos dias e, em entrevista, António Costa quis explicar o assunto, antecipando-se a eventuais polémicas, esclarecendo que era o seu “melhor amigo” e excelente negociador, por isso o nomeara representante do Estado. Aparentemente, para o primeiro-ministro, a representação do Estado pode ser entregue ao seu “melhor amigo”, mesmo antes de ter qualquer contrato que o habilite para tal. Pior, com esta contratação, António Costa parece querer tratar dos assuntos do Estado como se estivesse a gerir a sua própria casa, o que é inadmissível: nem Costa é o dono do Estado, nem a nomeação de um representante da “coisa pública” pode ser feita por mera amizade.

É inacreditável que o primeiro-ministro ache normal que o Estado seja representado por alguém sem enquadramento legal para o fazer e de forma graciosa. A falta de transparência e o conflito de interesses na contratação do seu padrinho de casamento são evidentes e inaceitáveis. O escrutínio público tem de ser feito.

Há muitos políticos em Portugal que se sentem os donos da “coisa pública” e, por isso, fazem o que querem, como querem e quando querem, de acordo com o seu livre arbítrio e à revelia das regras democráticas e da obrigação moral e legal de prestarem contas publicamente. A transparência, em todos os atos de gestão pública, nos governos como nas câmaras municipais ou empresas públicas, devia ser normal e natural. Infelizmente continua a haver imensa opacidade e sombras nas decisões e contratações públicas, e consequentemente, desconfiança sobre o poder político, os políticos e os partidos.

2. A mais difícil missão da imprensa é, precisamente, a denúncia da falta de transparência, da corrupção e do amiguismo. E, por isso, há um constante conflito entre o poder, todo o tipo de poder, e a liberdade de expressão. Todos põem na lapela o autocolante a dizer “Je suis Charlie”, mas, à primeira crítica, à primeira pergunta, ao primeiro comentário ou opinião mais incisiva ou pungente, todos os que têm algum tipo de poder, esquecem o “Je suis Charlie” para se vitimizarem e partirem para a ameaça. Por “dá cá aquela palha”, atacam, processam e perseguem. A demissão de João Soares foi uma vitória da Liberdade de Opinião. Foi uma vitória da Liberdade. E foi uma vitória da Democracia. Os que não perceberam isso continuam lá atrás, encerrados na sua ignomínia, na sua ignorância, no seu obscurantismo a perseguir quem opina, quem pergunta ou quem critica. São como João Soares, não valem nada!

3. A forma como a Europa continua a lidar com o problema dos refugiados é uma vergonha. O exemplo do Papa Francisco, que visitou Lesbos, a ilha sobrelotada de migrantes, devia inspirar governos e organizações para de forma mais célere procurarem soluções humanitárias. Como salientou Marisa Matias, num fórum em que participou no passado sábado na Covilhã, apenas três países europeus asseguraram disponibilidade para receberem refugiados, inclusive mais do que as “quotas” europeias, a Alemanha, a Grécia e Portugal. Os demais, estranhamente, estão a colocar cada vez mais entraves para acolherem quem precisa de ajuda. Nada pode fazer mais mal à Europa que esta forma de desunião, de falta de solidariedade, de fim de um dos valores fundadores da União.

Luis Baptista-Martins

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